Diário do Imortal, XIV


XIV

| Chuva |

            Humanos são deveras estúpidos.
Uma lufada de vento e suas vidinhas vão embora. Porém, eles podem dar um comum jeitinho de fazer suas vidas miseráveis durarem mais – e não serem arrastadas numa enchente.
Hoje um barranco caiu na casa vizinha à da mortal. Levou todo o terreiro da senhora, mas não soterrou ninguém.
Não soterrou porque um mago insone perambulante teve um ataque repentino de altruísmo, mas não é disso que eu vim falar e sim da estupidez dos humanos.
Eu governei Raython por mais de quinhentos anos e nunca, nunca houve uma enchente, um deslizamentosinho sequer de barranco. Talvez porque lá não tinha barranco, mas enchente nunca houve.
E por quê?
Porque nós, de Raython, nos preocupávamos PRIMEIRO em escoar a água da chuva e depois com qualquer outra coisa, tipo as próprias vidas ou culto aos deuses.
Escoar a água em primeiro.
Nesses quinhentos anos de império, o período mais longo de seca foi de dois meses.
Dois meses sem chuva em mais de quinhentos anos, vocês sabem o que é isso? Talvez não, não é? Algo que eu aprendi antes mesmo de saber falar era para nunca, jamais subestimar o poder de uma natureza em fúria. Sempre escoa a água, Phyreon. Era o que meu pai dizia. Nunca deixe essa maldita água inundar seu império.
Havia um barranco enorme no fim da rua da mortal aqui, quando eu cheguei há três anos. Depois de ter ido pro mundo por motivos que não vos dizem respeito e ter voltado só agora, me deparei com uma construção justamente naquele barranco que – jurava eu – não dar em nada.
Nem um ano se passou e um prédio estava enfiado ali, junto com mais casas. Antes, quando a menina entrava naquele mato todo para brincar de pique-esconde, havia uma vala para escoamento de água, onde os moleques caíam lá dentro quando brincavam à noite.
O engenheiro mandou enterrar aquilo, só isso.
Só isso.
Ah, humanos. Sempre subestimando o poder dos elementos.


Phyreon Thrower

Um comentário:

  1. É verdade Phyreon! Aposto que se esses prefeitos tivessem seus ensinamentos, vocês aí do sul (e até mesmo nós na época do inverno) não teríamos esses problemas... :/

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