Como todo ano... há toda aquela boiolagem de agradecer a todos vocês por me aturarem e agradecer todos os comentários (mesmo escassos) e todas as quase 80 mil visitas e todos os pedidos dos livros e dizer que sem vocês não teríamos quase 600 postagens nem 109 fãs da Trilogia e quase 100 fãs do Blog.
Vocês são fodas seus lindos. Phyreon disse que ama todas as fãs dele e que não veio dizer nada por estar ocupado penteando o cabelo (ele leva umas quatro horas no ritual).
E para agradecer do fundo do meu coração, vou deixar aqui um texto extra.
Eu inscrevi-o para uma antologia e ele não foi aceito. Sorri por dentro e disse: ESSE VAI PRO MUNDO!
Trata-se da história de infância de Isabelle Maurer, algo triste, tristíssimo =/
Apanhem seus lenços de papel e leiam.
Aquela
que sonha
Kamila
Zöldyek
Raphael
sempre me chamou de monstro. Primeiro aberração,
depois monstro. Culminou em demônio.
No
começo eu não entendia o motivo.
Raphael
é meu irmão mais velho. Raphael Maurer. Eu sou Isabelle. Mas raramente ouvia
meu nome. Porque raramente alguém se dirigia a mim.
Começou
efetivamente quando eu tinha cinco anos. Nós morávamos numa aldeia pequena no
norte daquele império, perto do Vale dos Dragões. Sempre foi um lugar calmo.
Antes
do meu nascimento.
Naquela
noite, eu tive um pesadelo. Ou pelo menos eu me convenci que era um pesadelo.
Fui dormir e quando percebi, estava na casa de meu vizinho da frente, chamado
Harrington. Mais precisamente, eu estava dentro do quarto do casal. Sabia que o
era por ter a cama, e as cortinas daquele tom creme meio encardido.
Mas
eu nunca tinha entrado naquele quarto. Só via a cortina pela janela, que dava
para a rua. Eles não tinham filhos, só um cão de caça.
Ouvi
um barulho e tentei esconder-me, e achei um canto perto de uma cômoda velha.
Ali, agachei e ouvi passos firmes e gritos de ordem. Em segundos, a porta abriu
num estrondo e o senhor Harrington jogou a esposa lá dentro.
Eu tinha que sair dali.
Ele
estava gritando coisas que não faziam sentido pra mim naquela idade, com séries
de impropérios e difamações. A esposa, chamada Keithy, negava a acusação de
adultério com veemência, mas eu sentia o cheiro de álcool que o homem emanava.
Como
eu poderia sentir cheiros em sonhos? E como eu poderia ter uma visão tão clara,
tão definida? Mas era um sonho, não havia outra explicação…
Devagar,
eu saí de onde estava, e aproveitei que eles não me viam, estavam de costas pra
mim. Saí pela porta e quase gritei ao me deparar dentro do quarto novamente,
mas em outro canto.
Não podia fugir.
Percebi
também que eles não podiam me ver, pois eu apareci em frente a eles.
Continuavam a gritar, e uma agonia crescia dentro de mim, porque de algum modo
eu sabia que aquilo não iria acabar bem.
O
homem esmurrou a face de Keithy, e ela caiu na cama, sangrando em profusão. Eu
ouvi o barulho de pedrinhas caindo no assoalho de madeira, e depois vi que as
pedrinhas eram dentes. E com dois passos, Harrington alcançou a garrafa de
bebida pela metade, e quebrou-a contra a parede de alvenaria, e só sobrou o
gargalo na mão dele.
A
mulher viu o que ele pretendia andando até ela com aquele gargalo quebrado em
mãos e insanidade nos olhos. Ela ainda pediu, implorou. “Não, por favor...” Mas ele não parou. “Vai pagar por isso, vadia… nunca me deu um filho, e ainda me traía…”,
ele disse, a voz turva, suor alcoólico na testa, escorrendo bela barba
gordurosa e nojenta.
Eu
fechei os olhos e agarrei meus cabelos finos e cacheados, ruivos. Não adiantou.
Mesmo com os olhos fechados, eu vi o homem chegar até a cama. Keithy tentou
fugir, mas ele segurou-a com força pelo ombro e cravou o vidro quebrado em suas
entranhas.
Ela
ainda se mexia, ainda gritava de dor, então ele tornou a perfurá-la, e de novo,
e de novo, e eu ouvia o barulho da carne sendo rasgada e das veias e artérias
sendo partidas.
Eu
gritei. Gritei como nunca tinha gritado, mas nada me fazia sair daquilo. Se era
um sonho, quando eu acordaria? Aqueles gritos, as vísceras da mulher que se
espalhavam na cama, negras e vermelhas, o rosto sádico e respingado de
Harrington, tudo aquilo era vivo demais, e traumatizou-me pra sempre.
Sempre.
Depois
que Keithy estava desfigurada, o homem se ergueu e ainda amaldiçoou a alma infiel
dela. Depois ele saiu do quarto, e eu fui com ele, involuntariamente, como se
estivesse seguindo-o de perto. Vi-o passando pelos quartos, cambaleando, e seu
cão de caça latir agressivamente quando ele saiu de casa. Ele dizia coisas sem
sentido ao vento. Às estrelas e aos deuses. De certo modo, ele parecia
arrependido pelo que fizera. Parecia entristecido.
Como
se só tivesse matado a esposa para limpar a própria honra. Mas claro que
naquela época eu não entendia nada disso, e só estava assustada demais vendo
aquilo tudo.
Harrington
andou até o fim de seu terreno, que dava em um barranco íngreme, que acabava
dez metros abaixo, num ribeirão pedregoso.
Dali,
ele pulou.
E eu
acordei. Ergui-me da cama, os olhos azuis saltados. Era manhã. Mas eu tinha o
cheiro daquele sangue nas minhas narinas. Não era um pesadelo, não podia ser.
Meus
pais nunca acreditariam em mim, então contei a Raphael, meu único irmão. Ele
deveria ter uns oito ou nove anos, e eu realmente confiava nele.
Mas
Raphael riu. Riu de mim como se ri de uma bela piada. Ele me convenceu de que
fora só um sonho ruim. Mesmo com tantos detalhes. E acrescentou que eu não
deveria ver quando nosso pai sacrificava os animais.
—
Mas eu nunca vi papai sacrificando os animais. — foi o que respondi, e ele me
olhou com um ar mais sério depois disso.
Vi o
senhor Harrington, e arrepios me passaram pela espinha enquanto ele conversava
amenidades com meu pai. Nunca me esqueceria daquela cena horrenda.
Dois
dias depois, eu acordei com o latido do cão de caça dos Harrington. Ele nunca
latia assim, sempre fora muito quieto e obediente, mas feroz.
Quando
eu saí do quarto, notei que ninguém estava em casa, mesmo sendo muito cedo.
Minha mãe apareceu um segundo antes que eu saísse para a rua, e bloqueou minha
passagem. Depois, gritou pra fora, ordenando a Raphael que me tirasse de casa,
e ele obedeceu prontamente.
Ele
me puxou brutalmente pelo braço e me levou para a borda da floresta, longe da
vila. Ele estava branco feito cera, e me jogou no chão.
—
Diga. — Ele disse, com ódio. — Diga o que
você fez, seu monstro! — Ele gritou, e eu sinceramente não sabia o que
ele queria dizer com aquilo.
—
Eu... não fiz nada... – me levantei, mas ele me deu um tapa na face, me fazendo
cair de novo.
—
Como não? O maldito Harrington matou a mulher dele do jeito que você me contou
naquele dia, Isabelle! E o pai achou o corpo dele todo quebrado lá embaixo! Como você não fez nada, aberração! — Ele
gritou de novo, e eu comecei a chorar.
E
ele voltou a me golpear, sem muito receio. E depois de muito tempo, ele me fez
jurar que nunca ia contar sobre aquele sonho a ninguém. E que se eu tivesse
outros, deveria contar a ele. E,
claro, deveria inventar que eu caíra de algum barranco para explicar meus
ferimentos novos.
Assim
começou aquele inferno. Aquele inferno que eu chamei de vida.
Claro
que depois eu tive mais sonhos daquele tipo. Alguns com mortes violentíssimas e
violações, que não sabia de que se tratava. Tentei esconder de Raphael, mas
nunca consegui. Aqueles sonhos me deixavam assustada demais, e saber que eles iam acontecer era pior ainda. E
ele descobria, e fazia-me contar – depois de me espancar. E após relatar o pesadelo,
ele me batia mais, marcando minha pele sardenta.
E eu
ria depois, dizendo sobre como tropecei no vestido e rolei pelo chão.
Minha
convivência com as outras crianças era quase nula. Transformei-me numa menina
retraída e com medo de tudo, principalmente de meu irmão. Mas ainda assim, eu
gostava dele. Ele me dizia que se eu contasse meus sonhos para alguém, eles
iriam me queimar viva numa fogueira, e me chamar de necromante. E que eu devia
minha vida a ele. Mas ainda não justificava as surras que levava.
A
única menina que eu brincava se chamava Windy, e ela era a menina mais evitada
da vila toda. Ela era estranha também, mas não um monstro como eu. Ela era nobre. Todos a respeitavam e temiam
ofendê-la. Ela era a escolhida para suceder o trono do império. E ela não se
importava se eu era diferente das outras crianças, e não sorria.
Não,
eu nunca sorria.
Cresci,
apenas com Windy, e meus sonhos. Meus dentes de leite foram todos arrancados
com socos de meu irmão, e eu me vi em desespero quando soube que Windy partiria
para a capital, aprender a governar. Eu tinha oito anos e algumas cicatrizes.
Engoli minhas lágrimas e continuei meu sofrimento.
Meus
sonhos começavam a fazer mais sentido enquanto eu ia aprendendo coisas. E nem
todos eles eram violentos. Em alguns eu via pessoas que nunca cheguei a
conhecer, mas que fizeram grandes feitos. Via dragões e elfos com asas brancas.
Um lindo garoto de olhos azuis, e cabelo negro. Via tudo, e guardava para mim.
Aprendi
a mentir, e esconder as coisas principais de meu irmão. E aprendi a ler as
emoções dele. Deduzi que ele descontava suas frustrações em mim, por ser frágil
e submissa. E percebi que ele gostava de minha amiga depois que ela se foi, e
eu sofri injúrias durante muito tempo, mas já me acostumara. Apanhava calada,
por não ter força para revidar, e nem tentava. Eu era o monstro. Deveria sofrer
por ter nascido, então.
Passei
a ser tão quieta e sorrateira que vizinhos novos levavam meses até descobrir
que os Maurer tinham um casal de filhos.
Com
dez anos, minha vida revirou, mais uma vez.
Eu
tive o sonho alguns dias antes de acontecer, e não o contei a Raphael. Pensei
que acabaria ali. Que tudo ia se resolver.
Foi
horrível. Uma vela caiu numa das cortinas e em instantes minha casa começou a
se incendiar. Ela não era de alvenaria, e tudo queimava rápido demais…
A
fumaça me deixou sem ar, meus olhos ardiam e não conseguia sair. Meus pais
gritavam, e quando eu fui até eles, uma das vigas do teto caiu, e eu não ouvi
mais os gritos deles.
Passei
a sentir o cheiro. O cheiro da carne queimando. Gritei, e ouvia ainda
Raphael tossir, e vislumbrei-o perto de mim antes dele cair no chão, desmaiado,
e as labaredas consumindo-o.
Aquele
cheiro pungente era o pior de tudo, até que as chamas alcançaram meu vestido, a
fumaça deu lugar ao ar precioso e eu arfava enquanto sentia a pele queimar e
arder… e quanto mais me revirava mais rápido o fogo se espalhava, e então caí.
Vi tudo escuro e acordei.
Escondi
aquilo de Raphael com certo receio. Se por um lado eu queria que tudo acabasse,
por outro eu não queria que nem ele nem meus pais morressem comigo.
Queria
ir sozinha.
Naquela
noite eu fiquei com os olhos bem abertos enquanto todos dormiam – ou quase
todos. Ouvi barulhos. Não sonhara com aquela parte. Abri a porta de meu quarto
devagar e vi quando meu irmão deixou a vela cair na cortina, e tudo começou.
Não
queria fugir, mas queria que eles fugissem. Então gritei. Gritei para meus pais
irem embora, que fugissem, mas não sei o que houve. Eles não respondiam. Só
depois que as chamas estavam incontroláveis que eles saíram do quarto, e a viga
caiu sobre eles.
Gritei
por Raphael, e algo me dizia que ele se salvara. Afinal, ele provocara o incêndio.
Então,
aguardei minha hora. Não posso dizer que não tive medo, que não chorei. Era um
ser vivo, apesar da maldição da previsão, e tinha instintos, e parte de mim queria
viver.
Tossia.
Era do mesmo jeito que no sonho, tudo.
Até
a parte que Raphael chegou até mim, e as coisas saíram da linha que eu sonhara.
Meu
irmão me pegou no colo e me tirou da casa. Disse que realmente queria se livrar
de mim, mas que não conseguiria viver com o peso na mente.
Ele
chorou, arrependido. Por tentar me matar, e por matar nossos pais daquela
forma.
Perdoei-o.
Por tudo. Mas já era tarde demais. Já havíamos mudado o curso normal das
coisas.
Porque
Raphael e eu deveríamos ter morrido ali.
Órfãos,
fomos acolhidos pelos pais de Windy, que estavam sozinhos depois que a filha se
fora. E assim continuei a viver, num ambiente que não era meu, vivendo de
favores e tendo que trabalhar para recompensá-los. E só me livrei das surras de
meu irmão por alguns meses apenas.
Tentei
me matar. Sim, não suportava mais, e não era sobre os espancamentos de Raphael.
Eram os sonhos. Era um tormento sem fim, inevitável e insuportável. Depois da
terceira tentativa falha, desisti.
Os
deuses não permitiam que eu morresse. Porque eles tinham uma missão pra mim. E
na noite que eu completei treze anos de idade, presenciei a visão que moldaria
minha existência. A visão que justificaria toda minha vida, e que eu passaria a
me agarrar a ela, almejando que
acontecesse.
Andava
por um corredor. Calma e serena, sentia uma constituição espiritual incrível.
Estava mais alta. Mais esbelta, com busto desenvolvido, cintura fina e vestindo
um longo vestido de veludo verde. Sentia meus cachos ruivos baterem nos meus
quadris e ouvia os saltos de meus sapatos golpearem o chão.
Ouvia
também um rugido de dragão, mas ignorava-o. Entrei na sala, e me deparei com
Windy.
Ela
estava linda. Seus cabelos louros estavam enormes e caíam pelos ombros, como
rios de ouro. Ela estava preocupada, apertando com força o cajado que a
designava como imperatriz.
Conversamos.
Lá
dentro também estava Raphael. Alto, de ombros largos e roupas verdes finas.
Seus cabelos cacheados estavam bagunçados e crescidos, e ele tinha barba
também. Mas as sardas e os olhos azuis cheios de ódio permaneciam os mesmos.
Ali
também estava outra pessoa. Só de olhá-la eu senti uma tristeza profunda, como
se eu soubesse tudo que aconteceria a ela. E ela sofreria tanto em sua
trajetória. Era uma menina, se tinha quinze anos era o muito, e eu sabia quem
ela era… de algum modo. Ela era linda também, de cabelos alvos, brancos como
neve.
Disse
coisas a eles. Revelei sobre as visões que tinha. Minha voz estava firme e
desprovida de sentimentos. Mas de certo modo, estava feliz. Depois me pus ao
lado de meu irmão, e uma excitação tomou conta de mim. Algo que nunca senti. A
sensação de fazer algo certo, pela
primeira vez na vida.
Raphael
estava beirando o desespero. Ele estava louco por poder. Eu sabia que ele havia
cometido mais pecados e crimes que uma pessoa normal cometeria. Eu sabia que
ele estava preso em trevas, e que só eu poderia salvá-lo.
Eu
só estava viva para isso. Libertá-lo de seu sofrimento. Como sempre, desde que
éramos crianças e ele descontava sua fúria em meu corpo.
Retirei
uma adaga da manga de meu vestido, e ao aproximar de meu irmão, perfurei-o no
peito, sentindo o sangue quente dele molhar minhas mãos.
E a
felicidade tomou conta de mim.
Porque
ali eu descobri que eu não era o monstro.
Não.
O
monstro sempre foi ele. Ele e seus
atos cruéis e de métodos pouco ortodoxos. E eu era sua salvadora. Eu perdoaria
suas faltas e o conduziria à luz.
E
deveríamos morrer, nós dois. Estávamos mortos desde aquele incêndio, apenas
atrapalhando tudo com nossas existências vazias. Sentindo-me mais leve, olhei
uma última vez para a moça de cabelos brancos, e percebi algo diferente
naqueles olhos cinzentos. Percebi que mudara o futuro dela com minhas palavras,
com o conselho que deixei a ela.
Então
sorri. Tudo acabaria bem.
E
logo depois, peguei a mesma adaga, e me perfurei no pescoço.
Acordei.
Isabelle é tão... *-*
ResponderExcluirLindo,Lindo,lindo amei este capitulo extra, você poderia postar mais extras né..srsrs... Agora estou esperando anciosamente o capitulo de hoje, espero que poste logo.
ResponderExcluirBjo Vivi.