XXVI
Catherine deu dois disparos na criatura. Os dois foram certeiros, um na cabeça e outro
no peito, e o autômato deu dois passos pra trás.
Mas não
caiu.
Ele voltou
a andar pra frente, e Cat percebeu que seus disparos apenas causaram amassados
na lataria.
Foi quando
seus olhos caíram no baú à sua frente. Fitou-o por um instante, tentando
lembrar se sabia manusear armas brancas.
O autômato
encarou Chris com os olhos de vidro, e sibilou.
— Pai,
nosssso pai… encontrei-o. Está
guardando nossa cápsula?
Chris
sentiu algo gelado descer por sua espinha quando aquela criatura de dois metros
de altura lhe chamou de pai.
Nem dois
meses, e isso tudo. Tinha filhos, um monte deles, mas… estava tudo errado, tudo.
Chris
queria consertar tudo com as próprias mãos. Sempre quis, porque desde o
princípio ele foi o culpado. Claro que o tal orbe caiu na frente dele, mas ele
não estaria naquela margem do Ruby se se não fosse tão irresponsável, tão…
Sonhador.
Consertar tudo. A expressão se repetiu.
Consertar
tudo. Sim, claro que sim.
— Eu…
estou guardando… Luce. – Chris disse,
a garganta seca.
Levantou-se,
com um livro na mão.
— É este,
aliás.
— Entende
agora, pai? Entende o que queremos? – o autômato se aproximou.
— Acho
que… entendo sim. – Chris dizia a verdade. Tinha suas suspeitas… – Pegue. Leve.
Chris não
olhou para Cat um momento sequer. Esperava que ela entendesse, e que aquele
autômato fosse essencialmente burro.
O ser de
metal de aproximou de Chris rapidamente, e parou bem a frente dele. Estendeu a
mão, e antes que encostasse no livro, Chris abaixou.
Abaixou
bruscamente e sacou a double Layer que estava no cinto em suas costas. Mal
sabia como funcionava, mas atacou assim mesmo. Cortou macio, como se o metal
fosse manteiga. Não precisou esforço para que Chris separasse o corpo de metal
em dois.
As duas
partes caíram no chão, e Chris fez questão de cortá-lo em pedaços minúsculos,
absorto em pensamentos de culpa, de redenção, de vontade de se matar, de não
existir mais…
E não
pararia se Cat não tivesse tocado seu ombro.
— Chega. –
ela disse, fria.
— Eu… desculpe.
Não sei o que…
— Esqueça.
– ela pegou o livro que Chris ia entregar àquela cópia de Luce. – É esse. Você
ia entregar o verdadeiro.
Isso não
animou Chris, que riu, sem graça.
— Viu como
sou azarento, Cat? Você não devia ter dormido comigo.
— Você me
seduziu, lembra? – ela se levantou e pegou uma das facas do baú. – Isso corta
muito bem. – analisou.
— As
crianças, Cat. Precisamos ir atrás delas.
— E o
livro?
Eles se
entreolharam.
●
Lyra
ergueu os olhos e se perguntou por que havia se jogado em cima daquele general.
Era para ela tê-lo jogado em direção à explosão.
Aquele
homem era um estorvo, simplesmente. E agora ficaria no seu pé até que ela
realmente se irritasse e o matasse.
Foi quando
ela ouviu uma voz conhecida dentre a gritaria dos sobreviventes e o crepitar do
fogo alto que os cercava.
— Lyra?! –
era uma mistura de grito, exclamação e interrogação.
A fumaça
começava a sufocar, e nesses momentos ela reclamava por não ser a maga do fogo.
Olhou em
direção ao prédio próximo, e ao grito.
Redworn. Era o maldito Tom Redworn, com uma espada enorme na mão.
Lyra se
levantou para ir em direção a ele, mas uma mão agarrou sua canela.
General Estorvo. Vou
escrever isso na sua lápide, maldito.
Ela se preparava para eletrocutá-lo, quando
ele se levantou. Lyra não queria saber dele, e foi até Tom.
— Sabe
como sair daqui?
— Sim, mas
pelo- – Tom fechou a cara, olhando por cima do ombro dela.
Lyra
inspirou, e fumaça entrou pelos seus pulmões. Tossiu.
— Dane-se
o general, Tom. Eu o mato depois, vamos sair daqui primeiro…
— Eu vi
Pyro quando você chegou, ele-
Pyro.
Lyra se
virou para as chamas.
— Fogo não
o fere, Tom. Mas se algo desabar… – ela se concentrou e sentiu a aura dele. –
Ele voltou pra casa de Arch. Alguma coisa deu errado…
Lyra se
virou e pegou o braço do garoto ruivo.
— Por
onde? – ela pediu, e Tom a guiou até um bueiro.
Ao
contrário do que Tom podia pensar, Lyra entrou pelo bueiro como se dependesse
disso para viver. O ar ali não estava muito bom, mas era melhor que ficar na
fumaça.
Tom pegou algo,
e logo Lyra descobriu ser uma lamparina.
— Você é
louco, garoto? E as tubulações de gás? – a voz grossa disse.
Os dois se
viraram e viram McMillan.
— General
Estorvo, seu batalhão está ardendo lá em cima,
por que não vai cuidar deles e me deixa em paz! – o berro dela ecoou
pelos canos.
— A minha
missão, garota peituda, é parar esses malditos autômatos e você é a única pessoa aqui que eu tenho
certeza que sabe como fazer isso! Por isso eu vou até o último círculo do
inferno atrás de você, desgraçada!
—
Autômatos são esses robôs, certo? – Tom franziu o cenho.
— Sim. –
Lyra cuspiu.
— Eu sei
onde eles se escondem, Lyra.
●
Amy estava
com uma chave inglesa enorme na mão.
Ela não
tinha muita força, mas esperava desmaiar o guarda que não saía dali de jeito
nenhum.
Há dez
minutos, os dois soldados da porta disseram a ele que iam subir, pois algo
errado estava acontecendo. Isso foi ainda depois de Lílian ir lá e levar o baú
inteiro de armas sem dizer uma palavra.
Amy estava
sinceramente desesperada com tudo isso, com a falta de informação. Não queria
simplesmente ficar confinada ali, e só depois de tudo acabado pudesse sair.
E se
quando saísse ela descobrisse que todos estavam mortos? Os pais, o irmão, Liv,
Theo, Pyro…
Não. Ela precisava sair dali, e precisava imediatamente.
Foi quando
ela decidiu que ia desmaiar aquele pobre soldado que era de certa forma bom
para ela. Claro que ele nunca a deixaria sair assim, sem motivo algum. Então,
precisava acertar bem na cabeça, mas ainda não sabia como.
E também,
tremia demais.
A verdade
era que não conseguiria fazer isso. Era mais fácil ela fingir que estava
passando mal para que ele saísse e ela fugisse. Aliás, isso era mais
inteligente.
Largou a
chave inglesa, pensando em algo melhor. Geralmente soldados tinham treino de
primeiros socorros… ela viu um estilete na bancada e teve uma ideia, sim. Isso ia desesperá-lo…
Ela mal
tocou o estilete, e aconteceu.
Um
estrondo alto veio aos seus ouvidos, e um gemido. Amy se virou e viu a estante
de ferramentas no chão.
E alguém
embaixo dela. Alguém de cabelos vermelhos.
O soldado
apontou seu rifle para ele imediatamente, e Amy gritou para que não atirasse.
Foi até Pyro e tentou erguer a estante, em vão.
O soldado
foi até ela, e tirou-a de cima dele, jogando-a de qualquer jeito na parede.
Pyro
sacudiu a cabeça e se apoiou nas mãos, erguendo-se. Estava sujo de fuligem, e
as roupas chamuscadas, mas não tinha uma queimadura sequer na pele.
— Você está bem? – Amy o pegou pelos ombros.
— De onde
você veio, garoto? – o homem questionou, e Pyro o olhou.
—
Desculpe. Só amanhã agora, senhor. – ele tocou o homem, que caiu.
—
Respondendo você, Amy, eu estou bem. Mas agora… preciso encontrar Lílian. E
preciso de você. Hey. – ele tocou o queixo dela – eu não disse que ia te tirar
daqui?
Amy
sorriu.
— Sim.
— Seu
Birdy está pronto pra uso?
— Lá fora.
Equipado com armas novas, aliás.
— Acho que
vai precisar dele.
●
Theo abriu
outra porta, e nada.
— Nada aí?
— Não. –
fechou-a, olhando Archie.
—
Estranho, este era o último quarto… – ele começou a andar, visando a escada
para subir novamente.
— Ainda há
as salas, Arch. Só olhamos quartos. Pode ser que ela esteja em uma sala… e
também, nós não fomos ao quarto dos nossos pais. – Liv parou.
— E nem
vamos. – Theo a olhou. – eles não podem saber que estamos soltos, ou que
aquelas coisas estão aqui. Vão enlouquecer. – ele tirou os óculos.
Notou que
ainda estavam trincados. Não deixou Lyra recuperá-los, com medo de alguém
notar.
Isso não
importava mais, mas ela estava tão longe agora.
Tão longe.
Voltou a
andar.
— As salas
então. Ela pode estar num laboratório, algo assim. Ou na sala que o general
tomou. – ele disse.
Notaram
que tudo estava deserto. Podiam ouvir disparos lá fora, e gritos, mas nada ali.
Era uma paz perturbadora.
Desceram
as escadas e entraram no corredor. Theo abria as salas de um lado, e Archie
abria do outro. Todas vazias.
Até que
Theo abiu uma, que reconheceu como um laboratório. Estava com as luzes acesas,
e sua garganta fechou quando presenciou uma cena.
Algo
estranho, para não dizer grotesco.
Em cima de
uma mesa, havia um autômato. Estirado, aberto. Mas por cima dele, estava uma
aranha. Metálica, que soldava os pedaços internos daquele autômato
destrinchado.
Ao notar
Theo, a criatura parou, e saltou da mesa, andando até ele.
Andando e
se transformando, crescendo.
— Arch! –
Theo gritou quando viu a aranha se desdobrar em um autômato de sua altura.
Theo
correu, de armas em punho, pra dentro e antes que o autômato completasse sua
transformação, golpeou. Cortou duas, três vezes. Rasgou todo o metal que pôde,
e logo o autômato desabou.
Archie
passou por ele correndo, e Theo entendeu logo depois.
O autômato
da mesa estava de pé, mas mal conseguia se manter. Archie o derrubou com um
golpe simples de seu sabre.
O silêncio
se fez na sala por um minuto inteiro. Até que Theo começou a ouvir pequenos
sons. Pequenas patas metálicas arranhando o assoalho de madeira, baixinho, mas
insistente…
Aquele som
irritante que aparece em pesadelos.
E Theo
engoliu seco ao ver de onde vinha o som.
Aranhas,
várias delas. Entrando pela janela quebrada, subindo pela mesa, andando e se
transformando em autômatos maiores e mais vorazes…
Prontos
para atacar.
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