Crônicas de Chumbo #14



FOURTEENTH BULLET

Aura Negra










— Saia da frente. – Vincent foi categórico.
— Claro que não, projeto de mago. Esta noite, dois rituais devem ser consumados. Um já foi – Louis apontou o altar que estava ao lado de Amanda. Nele havia uma mulher morta, sangue pingando no chão. Vince só reparou nele naquele instante. – e daqui a pouco, o segundo…
Vincent sacou sua arma e atirou. A bala passou a poucos centímetros de Louis.
— Hey! – o mago sorriu. – assim você pode atingir meu sacrifício, sabia? Não quer ela viva?
— Eu nunca a acertaria. – ele não tirou os olhos do mago.
— Não sei não. Essa sua aura negra diz muito, Heisenberg.
Vincent agora queria saber por que aquilo era tão importante.
— Vá pro inferno… – Vince guardou o revólver e pegou sua espada das costas.
Desapareceu em seguida.
Louis parou o golpe que veio de seu lado esquerdo com a mão nua.
— Você não vai conseguir me arranhar, Vincent.
— Não quero te arranhar.
Vince atirou a queima roupa com a mão esquerda, que estava livre.

•••

Icaro se levantou num pulo a ver que mais bestas o rondavam. Olhou de esgrelha para Vincent e mordeu o lábio. A maldita aura negra continuava.
Tirou os olhos de Vince ao vislumbrar um movimento pela visão periférica.
— Lucas! – gritou ao ver o primo caído, e uma besta humanoide se aproximar dele com ferocidade.
Icaro se deslocou rapidamente e golpeou a criatura, decapitando-a. Depois ergueu Lucas do chão.
— A perna… – Lucas se esforçou para não gemer de dor. Estava quebrada na tíbia, provavelmente obra de Louis. – tem morfina?
— Não! Não usamos essas coisas, somos magos, esqueceu?
— Ah, é. – Lucas pegou um revólver. – Vocês são, eu não. – completou, um tanto sarcástico.
Icaro congelou. Era um completo estúpido. Esqueceu-se de que Lucas era o único Lewis sem magia no sangue, e que esse era um dos motivos do afastamento dele. Icaro também demorou três disparos de Lucas para perceber que dentre os três ali embaixo, ele era o único que sabia magia.
Estavam perdidos.
E ainda havia aquela presença medonha… aquela presença forte demais, que Icaro não sabia dizer de quem era ou onde estava.
Suspirou. Acalmou-se. Concentrou-se, e logo depois disse uma frase de poder. Posicionou-se corretamente, e lançou uma rajada de vento que partiu a horda inimiga ao meio.
— Chega de brincar.

•••

Vincent não acreditou no que viu, simplesmente.
Porque não era possível.
A bala atingiu Louis em cheio, mas ele não saiu do lugar, ou tombou morto. Era como se nem tivesse levado o tiro.
A bala fez apenas um pequeno buraco negro no meio do peito dele. Nem sangrava.
Louis retirou o chumbo com os dedos e jogou no chão, vendo a expressão incrédula de Vincent.
— Isso também não me afeta, Heisenberg. Nada que não leva magia me fere… por isso – sorriu – você está morto.
Vincent não teve tempo para se deslocar. Louis pegou-o pelo pescoço, e apertava a traqueia gradativamente. Não havia nada que Vince podia fazer para se soltar.
Louis observou por alguns instantes e sorriu mais.
— A aura negra… quer saber por que ela é tão perigosa pra você, Vincent?

•••

Quando Serena e Nicolle entrelaçavam os dedos, elas uniam seus poderes. A magia das duas se tornava uma só, e era intensificada e muito mais densa. A ponto de fazer os fios de seus cabelos flutuarem.
Reily trincou os dentes. Elas deveriam ter morrido antes de terem aquela ideia.
As gêmeas pronunciaram um canto, juntas, e fizeram gestos em sincronia com as mãos livres.
Um vórtex de água irrompeu das palmas das mãos delas e atingiu Reily em cheio.
O mago mal acabou de cuspir a água quando percebeu.
Não era água. Aquilo queimava sua boca. E o cheiro…
— Álcool. – Constatou e se deslocou assim que viu chamas vindo em sua direção.
Sua posição logo foi descoberta. A capacidade de sentir magia delas aumentava quando se uniam, e Reily gostava cada vez menos daquilo tudo.
Lançaram labaredas contra Reily novamente, que dessa vez se defendeu com um escudo mágico, e as garotas gritaram mais palavras de poder e lançavam energia destrutiva pura, em golpes longos e sucessivos, que trincaram a barreira de Reily até se estilhaçar.
O mago ainda se deslocou para ganhar tempo e invocou mais bestas. Ergueu os olhos e viu as duas na sua frente, perto demais para desviar da esfera de energia que estava pronta em suas mãos.
— Queime. – elas disseram em uníssono e lançaram a energia.
O corpo de Reily incendiou, e ele não tentou apagá-lo. Sabia que seria inútil.
E sabia que aquelas garotas eram diferentes.
Especiais.
Serena e Nicolle assistiram-no queimar por alguns instantes, até que Serena se lembrou.
— Nick. – olhou pra trás, sem soltar a mão da irmã.
— E a mulher de Lucas… – Nicolle olhou-a com desdém.
— Unidas nós curamos mais rápido, não é?
Nicolle assentiu.
— Sê… – elas se viraram e andavam na direção de Nicholas. – desde quando você gosta daquele Heisenberg?
Serena foi categórica.
— Desde hoje.


Icaro derrubava monstros, um atrás do outro, numa dança sem fim, que controlava os elementos da natureza. Ora fogo, ora água. Outras vezes, vento ou raios.
Mas Icaro travou no lugar ao mesmo tempo que as criaturas desvaneceram diante dos seus olhos.
Uma energia densa sufocou Icaro, e ele fez muito mais esforço para olhar seu lado e ver Louis e Vincent.
Tudo o que Icaro mais temia estava acontecendo.


— A aura tem cor, Vincent. Os magos do tempo da sua avó sabiam disso. E havia estudos e tudo mais. – Louis explicava devagar, enquanto apertava a garganta de Vince. – mas aí quase todos morreram… e os estudos quase se perderam. Quase, ainda bem. Alguns arcanos podem ver e manipular a aura. Eu sou um deles. – sorriu. – Você pode pesquisar as outras cores de aura depois. O importante agora é a negra. Ela é especial porque permite que eu te manipule, que eu tome sua consciência… e que eu te faça meu escravo.
Mesmo quase sufocado, Vincent ainda se surpreendeu. A aura negra provinha de um estado crônico de tristeza e angústia. A mente fica debilitada, presa a algo, e isso deixa brechas para manipuladores.
Louis não estava mentindo.
— E você tem tanto, tanto potencial, Vincent… é uma oportunidade única. Quer despertar sua magia? É só deixar-me te controlar… por algum tempo…
Não.
Ele não podia deixar.
Mas Vince estava sem reação, preso por aquela mão inumanamente forte. Preso por magia, preso pela própria fraqueza.
Inútil.
Os olhos de Louis brilharam em verde vivo, e travaram os olhos azul anil, forçando Vincent a olhá-lo. Era impossível desviar.
As criaturas que atacavam Icaro e Lucas desapareceram. O ar se tornou denso e tudo se concentrava naquela hipnose.
— Desperte seu sangue Mont’alverne, Vincent. – Louis disse, e foi a última coisa que Vince ouviu.


Estava escuro quando ela abriu os olhos.
Mas em um instante, as coisas clarearam, e ela percebeu que estava numa praia. Naquela praia em Shallvy, a única que conhecia.
Olhou a direita, depois a esquerda, calmamente.
Amanda viu uma mulher de grossos cachos louros até a cintura. Gritou o nome da mãe, mas a mulher não se virou.
— Mãe? – correu até ela, chamando.
Ainda nada.
Tocou-a, e a mão transpassou o corpo. Amanda quis gritar, mas logo se acalmou. Ou estava morta, ou estava sonhando.
Resolveu ser otimista e achar que estava só sonhando.
— Mãe! – uma criança gritou ao longe. A mulher se virou em direção ao som, e Amy pôde ver seu rosto. Segurou a respiração.
A mulher era ela mesma, pelo menos dez anos mais velha.
Amanda se virou para ver quem a chamara de mãe, e seu coração falhou uma batida.
Era uma menininha de no máximo quatro anos, de cabelos cheios de cachos fechados e grossos.
E vermelhos.
Vermelhos como só uma família pode ter.
A Amanda mais velha se abaixou e abraçou a filha, com carinho. Depois olhou diretamente a Amanda menor.
— Acorde. Ou então nada disso acontecerá.
A criança ainda se virou e olhou Amy. Aqueles olhos anis.
Nunca se esquecia deles, nunca.
E ela acordou.
Primeiro o cheiro de esgoto queimou suas narinas. Depois os olhos se focaram e ela se levantou, vendo tudo ao seu redor.
Viu Vincent perder a cor das faces e o anil dos olhos ficar opaco. Viu um homem – aquele que a raptara – de costas, apertando-o pelo pescoço.
Viu Icaro paralisado, olhar de dor. Viu Lucas estirado no chão, sangrando. Voltou a Vince.
Deveria fazer alguma coisa. Porque havia algo queimando dentro dela, algo que sabia que Vincent morreria se continuasse assim.
Olhou desesperadamente os lados, procurando uma arma, qualquer arma. Seus olhos caíram sobre uma faca cravada no peito de uma jovem a seu lado.
Amanda desceu do altar e arrancou a faca de onde estava. Era uma adaga um pouco encurvada, com runas gravadas na lâmina.
Aproveitou que o homem estava de costas.
Nunca dê as costas para um inimigo, disso Amanda sabia bem.
Tanto quanto sabia onde o coração humano estava posicionado.
Sem hesitar, perfurou-o.


Louis já sentia-se apoderando das entranhas da mente de Vincent. Só mais um minuto, e tudo seria seu. Todo aquele poder latente, toda aquela capacidade presa ali…
Sorria. Libertaria seu mestre supremo e teria Vincent Heisenberg. Tudo ocorria bem, diria até melhor que imaginou. Já libertara seu General, e podia sentir o poder dele retumbando pelos esgotos. Não sentia a magia de Reily, mas isso não importava mais. Vincent estava bem ali, e seria sua arma suprema.
Tudo daria certo.
Tudo.
Mas Louis sentiu uma ardência no peito e olhou pra baixo. Largou Vincent e gritou quando viu a adaga de sacrifício transpassada em seu coração, que falhou.
Ele engasgou, e ainda se virou, para ver seu sacrifício louro de pé, olhando-o, determinada.
— Você… estava… enfeitiçada… – ele engasgou de novo e caiu de costas, enterrando ainda mais a faca em seu peito.


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A Character Data é só na versão em pdf, que você pode baixar aqui.


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