Crônicas de Chumbo #15








LAST BULLET

Escolha



Vincent Heisenberg abriu os olhos de uma vez e se ergueu da cama. Os lençóis caíram e mostraram seu peito nu. Os cachos vermelhos desceram sobre o rosto e os ombros.
E então ele viu negro.
Algo quente o envolvera, e apertava. Quente, macio e cheirava a… lavanda.
Ele levou um minuto para perceber que Amanda estava abraçando-o, e levou mais um até abraçá-la de volta.
O silêncio durou muito tempo, até que ela se separou dele, e tomou seu pulso.
— Como se sente? – perguntou, profissionalmente.
— Curioso.
— Fisicamente, bobo. – ela sorriu, tão encantadora.
— Como se tivessem me jogado do terceiro andar. Cansado, doído, com fome e a cabeça…
— Certo. Depois eu trago algo para comer. Fale mais da cabeça. – ela o olhou clinicamente. Vincent conhecia aquele olhar, e sabia que não devia esconder nada.
— Dói muito. A nuca. Algo pesado. – ele pôs a mão no local.
— Do que você se lembra?
— Só de Louis me pegar pelo pescoço e falar algumas coisas.
— Teve pesadelos?
— Não que eu lembre.
Amanda assentiu.
— Agora me explique isso. – ele pediu.
— Vince… ela tomou a mão dele, apertou contra a sua. A mão dela era tão delicada, fina. Contrastava com os calos de coronha que Vince já tinha. – você quase foi possuído. Louis quase tomou sua consciência porque você estava desprotegido. A aura negra.
Ele assentiu. Lembrou-se do que Louis dissera.
— Daí eu o impedi. – Amanda continuou.
— Você o que?
— Peguei a adaga de sacrifício e matei Louis com ela. – disse sem remorso.
A expressão de Vincent foi de puro espanto.
— É. Lucas quebrou uma perna e Icaro está inteiro. Nick foi atingido, entrou na frente de uma magia que abriu um buraco na barriga dele, mas as meninas o curaram e ele já está de pé. Jeny caiu da torre, mas está bem também. Seu tio Oswald ainda quer falar com você. E mais uma coisa, você dormiu por duas semanas. E eles me explicaram mais ou menos o que aconteceu com você, mas eu não entendi bem, e… – as bochechas dela coraram. – ainda bem que acordou. – apertou mais a mão dele, e soltou-a depois. – Vou chamar seu tio. – levantou.
As palavras ecoaram na cabeça de Vince. Estava muito tonto ainda, não entendeu muito bem…
— Espera. – ele segurou o braço dela, que parou e o olhou.
Vince encarou os olhos claros, e notou que boa parte da inocência deles foi perdida.
E isso era tudo que ele não queria.
— Diga.
— Pode… – arrumou uma desculpa – chamar o Nick também?
Ela assentiu e saiu.

•••

— E então, perdedor? Você desmaia igual ao seu pai. – Oswald chegou até as cortinas e puxou-as.
Ele estava perfeito. Sem uma faixa ou bandagem no corpo, apenas as cicatrizes. Usava um obi próprio para seu estilo de luta. Azul, como sempre.
Depois ele abriu a janela e jogou o toco de cigarro lá fora, e o cheiro de maresia encheu as narinas de Vincent.
— Ainda na casa de praia?
— Pensa que acabou? Não. Louis largou alguns portais abertos, e o pandemônio tomou conta de Shallvy. As bestas agora estão sem controle e matam o que estiver na frente. Seus primos todos e eu estamos explodindo ou selando os portais um a um. Só faltam dois agora.
— Amanda me disse que eu fui…
— Quase possuído. Sim. – Oswald acendeu outro cigarro. – Olha só, eu não vejo auras. Só as meninas e Icaro podem ver. Eu nunca ouvi falar de nada disso até alguns anos atrás, e não domino a coisa. Mas sei que você vacilou, Vince.
— Eu não sabia, pelos infernos! – ele quase gritou. Era verdade. Se soubesse disso tudo, nunca teria deixado as coisas ficarem daquele jeito.
Oswald se aproximou.
— Quando você voltar a Thanyto, ponha um indicador no nariz empinado do seu pai e pergunte pra ele até quando vai te privar das artes arcanas. – soou sério.
— Eu não despertei ainda.
— Quem disse – Oswald tirou o cigarro da boca e apontou para Vince – que precisa estar desperto para conhecer magia? Essa sua ignorância ainda vai te matar, Vincent. Você não sabe, garoto. Mas tem muita gente atrás desse seu sangue forte.
— Como meu sangue é forte? Eu sou neto de uma Mont’alverne, neto
– Pra um sangue desses diluir, precisa-se de muitas gerações. E você é jovem e influenciável. Todos querem te manipular, de um jeito ou de outro. – Oswald foi sincero.
— Meu pai não me quer nas artes arcanas.
— Ele faz bem, mas você tem que saber sim, para se proteger.
Vince assentiu.
— Louis conseguiu soltar um general do inferno. É tipo uma daquelas bestas, mas de alto nível e inteligência própria, magia incomum, essas coisas. Malditos. Essa Segunda Revolução Arcana nunca deveria ter acontecido. E a culpa é do seu pai. – Oswald apontou, com se Vince tivesse algo a ver com aquilo.
Ele sabia pouco sobre a Revolução. Antes de seus pais se conhecerem, os magos eram poucos, e caçados pela Igreja. Eram presos ou mortos. Então houve a Revolução, e os magos foram libertos e nunca mais caçados. Problemas envolvendo conjurações que não dão certo e tentativas falhas de dominar o mundo eram comuns.
— Ele deve ficar quieto até seu poder voltar por completo. O general, digo. – Oswald continuou – mas logo trará problemas. Diga isso para a velha lá. Ela conhece melhor essas coisas.
Vincent assentiu.
— Eu quebrei o círculo sobre Shallvy definitivamente. Foi complicado derreter a rocha, mas… Shallvy nunca mais será o portão do inferno.
— Ótimo. Amy me disse que matou Louis… eu tentei, mas…
— Tenho que admitir que sua noiva tem potencial. Precisão cirúrgica também. Ela é enfermeira, não é? Então. Louis tinha o corpo fechado, assim nenhuma arma que não fosse mágica podia feri-lo. Amanda virou a faca de sacrifício no coração dele, certeiro. Aquela adaga tem três séculos de pura magia negra. Só um arranhão já mataria. – Oswald tragou.
Vincent fez uma expressão nada boa. Não queria que Amanda tivesse potencial ou precisão cirúrgica.
Alguém bateu na porta, e Oswald cuspiu uma autorização.
A porta abriu rudemente e Nick entrou aos pulos.
Maldito! Eu achei que você ia morrer, desgraçado! – berrou.
— Sabe como é… o sangue ruim… – Vince pôs as mãos na nuca.
— Vou deixar vocês namorarem, já disse o que queria. – Oswald deixou o quarto.
— Soube que você quase morreu. – Vince começou.
Náh… só fui transpassado por uma lança de luz que ia para a Serena. – ele sentou na cama, despreocupado.
Vince arqueou as sobrancelhas.
— Você entrou na frente… Você salvou uma das gêmeas?
Yeah. Não sei o que me deu, mas tá. Elas me curaram e estamos aí. – ele coçou a cabeça.
— Não foi só isso… – Vince conhecia aquele gesto vago de coçar a cabeça.
Nicholas foi conferir se não tinha ninguém atrás da porta. Depois se sentou na cadeira mais próxima de Vince.
— Na boca miúda aqui, Vince… – ele murmurou – Serena me beijou, cara. Com direito a língua e uma mordida no beiço. Achei que tinha morrido e caído no inferno, mas aí eu vi a marca do dente dela, cara.
Vincent teve vontade de se jogar da janela. Até seu primo mais novo tinha mais progresso que ele. Não soube o que falar por algum tempo.
— Mas… e aí? Depois?
— Aí nada. Ela tá fingindo que não aconteceu nada e eu estou fingindo amnésia. Mas de vez em quando ela me olha assim, , torto.
Vince riu.
— Mas você gostou?
Nick pôs a mão no queixo.
— Não foi a melhor que eu peguei não, maaaaas…
Vince revirou os olhos. Como se ele tivesse muita experiência
— Amy está estranha. – Vince mudou o tom e o assunto.
A expressão de Nick endureceu também.
— Ainda bem que você notou. Já tava achando que era coisa da minha cabeça.
— Conte mais.
— Tipo, ela… sei lá, cara. Parece que ela amadureceu mais. Aquela coisa que acontece depois que a gente mata um cara, sabe?
Vincent sabia. Pelos infernos, ele sabia.
— Mas fora isso… ela tratou de você. Não vi chorando nem nada, acho que ela não é disso, né. Mas sei lá, ela parecia… feliz por ter te salvado.
— Hmm. – Vincent ponderou. – Agora dá pra me trazer algo pra comer?

•••

Eles saíram de Shallvy assim que Vincent ficou bem disposto.
Serena roubou outro beijo de Nick, que o deixou mais atônito ainda.
Eles deixaram a cidade a galger, e na próxima, pegaram um trem até Thanyto.
Vincent estava com uma carta com o selo dos Lewis para sua mãe. Quando Amanda desceu da charrete em frente ao castelo, Vince tocou seu ombro.
— Só vou entregar isso para a mãe – ergueu a carta – e vou para o labirinto. Quero você lá me esperando, certo? – ele sorriu.
Amanda corou e assentiu. Ainda ficou lá empacada vendo Vince entrar. A verdade era que ele não disse nem perguntou nada sobre a morte de Louis. Nem sequer agradeceu.
Talvez ele fosse fazer isso agora.
Então ela se esgueirou pelos cantos escuros do castelo até os fundos. Ela sabia muito bem andar sem ser vista, e não queria ver ninguém antes daquela conversa com Vincent.
O labirinto não era muito grande, mas era fácil de se perder. Alto, cheio de rosas vermelhas, o símbolo da casa. Amanda amava ficar ali, e agradecia pelo frio de montanha de Thanyto. Preferia seus vestidos longos e pesados àqueles panos esvoaçantes do litoral.
Vincent chegou rápido. Quebrou uma rosa e colocou no cabelo dela.
— Eu não te agradeci, né? Foi você quem me salvou. Você salvou a nós todos. Sem você lá, eu não sei o que teria acontecido. – ele tocou o queixo dela, delicadamente.
Amanda dobrou os cantos dos lábios em um sorriso tímido. Só fez aquilo por causa daquele sonho estranho. Nada filantrópico. Nada de salvar o mundo. Só queria proteger o suposto pai daquela menina que a chamara de mãe.
Mais nada.
— Não precisa agradecer. Você faria o mesmo.
Vince riu.
— É, eu fui lá te salvar e quem foi salvo foi eu. Meu pai vai me matar.
Amy riu.
— Mas Amanda… você matou aquele cara. Você mudou, perdeu parte de sua alma. – ele disse solenemente.
O sorriso dela sumiu. Não tinha remorso algum e parte dela recriminou-a por isso.
— Não pense que pode sair matando todo mundo por aí. Eu já disse que me importo om você, não é? – ele acariciou o rosto dela devagar.
— Mas… Vince… – ela sentiu algo na garganta. Um nó. – eu fico preocupada quando você sai e nem sei se vai voltar. Fico pensando em onde você está e se está bem… eu… queria ficar mais do seu lado, Vince. Porque eu-
— Não. – Ele foi direto. Se soubesse a frase que s seguiria, não teria cortado. – Eu nunca mais vou te arriscar desse jeito. Já prometi isso. E não adianta treinar ou matar meio mundo. Sabe a coisa da aura negra? Sabe por que eu fiquei daquele jeito? Foi porque eu não tive capacidade de te proteger.
Amanda não tinha resposta para aquilo, e o silêncio se seguiu.
— Vince. – a voz de trovão soou atrás de Vincent.
John Heisenberg jogou o filtro do cigarro no chão e amassou com a bota. Suas armas estavam e coldres na cintura, e o cabelo vermelho espetado refulgia ao sol. A barba deixava o ar de desleixo maior.
— Amanda?  – John arqueou as sobrancelhas. – Volto depois então.
— Não, senhor. Já estou indo. – Amy se virou e saiu sem olhar Vince.
John esperou ela entrar no castelo.
—Desculpe. – disse num tom de quem não queria se desculpar por nada. – Amy é uma boa moça.
— Boa demais.  – Vince não se virou para olhar o pai.
— É ela, não é? Quem você escolheu?
Vincent se virou dessa vez.
— Escolher?
— Você tem quase dezesseis anos, Vincent. A continuidade dessa família depende de você. E deve se casar rápido, e de preferência ter um monte de filhos. – ele disse calmamente.
— Não posso ficar com ela, pai. Não com essa vida que eu tenho. Amy não nasceu pra isso, ela não é uma samurai Lewis. – o tom dele oscilou entre raiva e tristeza.
John ponderou, acendendo outro cigarro.
— Amar é uma decisão, Vincent. Você, em algum momento da sua vida, decidiu amá-la. E agora você vai desperdiçar isso? Vai jogar fora todas as noites que passou acordado pensando nela?
Vincent encarou o chão, sem resposta.
— Mas não foi pra isso que eu vim. – John soltou fumaça pelas narinas. – Você tem outro contrato.


Fim do arco #1, The Gate of The End

Próximo arco: #2, Downward

 Next:
Não tem next
e não sei quando pego Downward pra escrever




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A Character Data é só na versão em pdf, que você pode baixar aqui.



Então, acabou.
Eu ia escrever um texto aqui sobre o que vai vir ainda, mas tenho muita série infinita pra ver se converge ou não.

Então, tudo o que tenho a dizer é:

(a) HIATO DE DUAS SEMANAS

(b) 7 DE AGOSTO TEM OUTRA HISTÓRIA (que é spin-off de Legend)

para acompanhar as novidades, curtam a fanpage e entrem no grupo.

Não me abandonem Y_Y

So long and thanks for all the fish.


2 comentários:

  1. Nossa o desenho fico muito foda!! + o enrredo nem tanto...

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  2. Discordo. Eu não achei esse desenho lá grande coisa não, hm
    mas concordo na parte do enredo...........

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