O Orbe de Reidhas, Spin-off #1 | Capítulo XIV



— Espera. Como assim você escreveu aquele livro? – Lyra tirou os olhos do mapa.
— Bem, com aquela máquina de escrever bem ali, creio. – O professor soou divertido.
Pena que ninguém mais se divertia como ele. Deveria dar um desconto a eles, afinal estavam assustados e certamente queriam o orbe. E isso foi frustrado.
Rutherford olhou Theo novamente, que ainda estava espantado demais com aquilo. Ele não parecia querer orbe algum. Algo aceitável como namorado de Lyra. Vê-la ir embora do mesmo jeito que chegou seria dolorido, mas ele sabia que tudo seria assim, não sabia?

— Desculpem não ter dito antes, crianças. Simplesmente isso não seria de utilidade alguma. E vejam bem, os diretores já teriam descoberto a falcatrua de vocês se eu não estivesse lá dentre as secretárias. – ele consertou o pince-nez, com uma expressão mais séria.
— Obrigado. – Lílian sussurrou. – Mas, bem… nós queremos saber como conseguiu isso tudo. – ela apontou as paredes.
— Ah, bem. Todos esses pertences são herança. Minha família saiu de Windia há muito tempo. Eram bardos, e queriam descobrir outras partes do mundo. Chegaram nesta terra e viram que as coisas eram diferentes.
— Tiveram que se adaptar? – Liv disse algo pela primeira vez, fitando o quadro-negro.
— Sim, senhorita. Abandonaram o nome antigo, Vrinford, e deixaram tudo pra trás ao descobrirem que o povo daqui não conhecia magia. E nem deveria conhecer. Mas, bardos sempre têm histórias para contar, e isso não saiu de nossos costumes… por isso sempre tive muito material, e em minha mocidade eu quis mostrar isso ao mundo. Pena que eu não tinha dinheiro suficiente para mais de cinquenta cópias.
— Bardos de Draak, dá pra acreditar nisso? – Lyra riu.
— Se me perdoam… posso fazer umas perguntas sobre as coisas que não sei?
Os três magos se entreolharam.
— Depende. Aconteceram coisas que não sabemos bem. Não querem nos contar, simplesmente. – Pyro foi sincero. A Terceira Era quase nunca foi comentada com eles, e só Lyra sabia com detalhes. E ela nunca dizia nada.
— Vocês duas são primas, certo? – Rutherford perguntou, extasiado. Não esperou a resposta delas. – E pela aparência de vocês, posso deduzir que vieram de Elektra e Raikou. E houve uma mistura com elfos em Lílian. Então, vocês seriam netas deles? Sim, os dois tiveram dois filhos, e um deles se uniu a um ou uma elfa. – ele riu. – a professora de arco não parava de falar de você, Lílian.
Ela riu.
— Exato. E tem mais uma coisa, acho que você não sabe. – Lílian fitou Pyro.
— Eu sou irmão de Lyra.
Rutherford se virou para olhá-lo.
— Fascinante. Você é um Watari perfeito, nunca descobriria. Podia fazer um favor? – ele apontou o quadro-negro.
Pyro entendeu imediatamente. Completar a árvore genealógica.
Em um instante ele acabou, e era duas vezes maior que Rutherford previu.



Pyro aguardou pacientemente a pergunta inevitável.
— Dois filhos. Eles tiveram dois filhos… sim, claro que sim, um herdeiro para cada império, mas… e a profecia?
Theo saiu de seu torpor ali. Também queria saber disso. E também queria conversar com seu professor mais tarde, de preferência a sós.
Todos olharam os magos, que olhavam para Lyra.
— Oh, certo. O meu pai, ele, bem… olha só. A profecia dizia que o filho daqueles dois – apontou os nomes de Elektra e Raikou – seria a casca para Thalion, certo? Mas havia o outro lado da moeda. Assim, meu tio também era uma encarnação, sabe? Um para destruir e outro para impedir…
O professor prestava atenção nisso. Em cada palavra. As coisas começavam a fazer sentido para Theo também.
— Aí um deveria matar o outro. E isso quase aconteceu. Por isso houve essas mudanças, como o castelo de Magma mudar de lugar, porque foi destruído, e Vihrëa também. E muita gente morreu e foi muita coisa… mas… – ela suspirou – Phyreon conseguiu criar algo para tirar aquela coisa do meu pai, e deu certo, com a ajuda do meu tio.
Um belo desfecho, Theo pensou.
— E foi assim que acabou. Não foi um final feliz não, mas… alguns lugares estão em construção até hoje, sabe.
— Perfeito. – Theo viu que os olhos escuros de seu professor brilhavam. Podia ouvir as engrenagens de uma história nova se formando na cabeça dele se chegasse mais perto.
Sabia bem como ele se sentia, pois se sentiu assim também. Por que não romancear tudo aquilo? Gostava de ler e desenhar, nunca pensou em escrita. Era algo a ponderar, algo a fazer depois que ela… o deixasse.
Logo espantou os pensamentos.
Viu que Archie e Liv não diziam nada e olhavam confusos de um mago para outro. Estavam perdidos na conversa, e de vez em quando cochichavam qualquer coisa. Aqueles dois sim seriam felizes, e eles podiam levar uma eternidade para se juntarem, afinal meio mundo não os separaria.
Pela milésima vez Theo se sentiu estúpido por se deixar cair nos encantos de Lyra. Mas como não cair? Era impossível. Lyra era divinamente bela e inconscientemente sedutora. E estava na sua casa. E se sentava ao seu lado na escola. E vivia conversando com ele. E amava derrubá-lo com golpes de luta. E sempre tentava aplicar uma chave de perna usando saia.
Seria desastroso se ela conseguisse.
Tirou os óculos para limpá-los. Seus pensamentos caíram de novo nos momentos bons que passava com ela. Ainda não estava pronto… mas deveria se preparar.
Mas como?
— Ei, eu fiz café e chá também. E achei uns biscoitos bons. Querem comer algo? – Fairmount apareceu na porta e logo que disse isso, espirrou. – Essa poeira é diferente da minha poeira, daí eu espirro. Vamos, vai esfriar. – ele saiu de novo.
Aquele homem era interessante.
— Vem. – Lyra o pegou pelo braço, mas ele não se mexeu.
— Vou conversar com o professor antes, pode ir. – ele sorriu fraco.
Lyra deu de ombros e saiu depois de Archie.
Theo fechou a porta depois que ela saiu. Rutherford fitava o quadro negro.
— Estes outros irmãos de Lyra e Pyro… seria estranho não ter magia em uma família de magos, não? – ele disse trivialmente.
— Eles convivem bem com isso. Ah, são gêmeos de cabelos brancos. O irmão de Lílian também, mas ele tem os olhos cinzentos.
— Sabe mais que eu.
— Não muito, eles quase não falam de lá. Lyra fala muito da avó, e de Phyreon e seu jeitão, mas no mais… ela não é chegada em conversa. – Theo coçou a cabeça, e o professor riu.
— Entendo.
Theo mudou de tom.
— Você podia ter me contado que escreveu o livro. Quando eu mostrei pra você. Se bem lembro, nem esboçou reação, só disse algo como “parece legal, depois me empreste”.
Rutherford ajeitou o pince-nez e pôs as mãos para trás.
— Theo, eu queria dizer, sinceramente. Mas algo me impediu, e isso foi… você, Theo. Você é exatamente como eu era quando tinha a sua idade, e a única diferença era que eu não tinha uma namorada tão bonita.
Theo o olhou.
— Exatamente como você, eu estava inserido em um cenário que não pertencia. Minha família toda abandonou as raízes draakis, e todos se tornaram operários de fábrica, e os poucos que estudaram se tornaram engenheiros ou médicos. Mas eu sonhava demais, sabe. Sonhava alto demais… sonhava em voltar pra lá. Em conhecer aqueles ao qual eu, um bardo, pertencia. Queria contar histórias, e me divertir com elas. E investi nisso, Theo. Eu simplesmente ignorei os esforços dos meus pais para que eu me tornasse um engenheiro completo e formado na Aurum, e fui escrever. Isso me custou caro, e meus irmãos não me permitiram nem ir ao velório de minha mãe. Envelheci sem família e sem descendência, e quando decidi abandonar a academia, tive a sorte de que meu antigo professor de inglês insistiu para que eu ficasse e o substituísse. E ele me disse algo.
— O que? – Theo estava intrigado com aquelas palavras, e o significado que teriam para ele.
— Para seguir meus sonhos. E assim fiz. Assim consegui este sobrado, e concluí meu escrito, com quase dez anos preparando-o. Logo depois tive que hipotecar a casa e tudo que havia dentro dela, acho que até meu corpo também, para conseguir o necessário para uma publicação, e assim só consegui cinquenta cópias e nenhuma venda por anos. As coisas não são tão fáceis assim, Theo. E acho que sou sortudo por não ter que envolver esposa e filhos nisso. Ah, com os anos e aumento de salário consegui reaver a casa e meus bens. E eu não quero que isso aconteça com você, Theo. Quero que se case e tenha filhos, e more num lugar decente e tenha um emprego bom. Você é um ótimo rapaz… algo assim – ele ergueu os braços – seria terrível. E saber que eu o influenciei para isso seria pior… tenho um fraco por crianças sonhadoras. Veja Chris.
— Fairmount?
— Sim. Chris pegou a herança do pai e comprou a relojoaria, que custou um décimo. Com o resto ele comprou máquinas e material para seus inventos. E lá estava eu no dia que ele inaugurou. Um moleque que mal tinha barba, sorridente… jovem e forte, e eu fui o primeiro a comprar um relógio com ele. E eu, sem querer… comecei a visitá-lo, a ver suas invenções, e nunca em nenhum momento tive coragem para dissuadi-lo da ideia. E veja como ele está agora.
— Você quer… que eu não lute pelos meus sonhos, é isso? – Theo franziu o cenho e usou um tom ameno.
Ele não sabia bem o que queria da vida ainda, e evitava isso ao máximo que podia.
Não, por favor. Sem sonhos somos só máquinas. Eu só quero que pense bem antes de dar tudo de si, antes de se perder e não achar o caminho de volta. Sempre mantenha um dos pés no chão, é isso. Tenha uma linha, um fio de Ariadne, que te traga de volta.
Theo ponderou.
— Acho que já estou perdido, professor. – ele fitou o nome de Lyra no quadro.
— Você quer voltar com ela. – Rutherford notou seu olhar.
— Não posso dizer que não quero. – suspirou.
— Isso é precipitado.
— Eu sei.
— Já pensou no que vai largar aqui? Sua irmã, seus pais, Archie? Você é o único amigo que ele tem. Ele é o único amigo que você tem.
— Perco noites pensando nessas coisas, sabe.
— Pelos infernos, você é jovem demais para perder noites pensando, Theo! – ele riu.
— Mas sabe… acho que você tem razão, e talvez… talvez eu não esteja perdido. Talvez eles… são meu fio de Ariadne. – ele ponderou.
— Sim, talvez.
— Só mais uma coisa.
— O que é?
— Pode autografar meu livro? – Theo sorriu, e seu professor de inglês percebeu que eles não eram parecidos.
Nunca podiam ser.

●●●

Rutherford levou todos pra casa depois. Ainda ficou um tempo com os pais de Theo, explicando a eles que precisava dos garotos para um projeto de iniciação científica nas férias. Ele deu muitos detalhes técnicos complexos que os senhores não entenderam bem, só permitiram.
Assim ele conseguia um motivo plausível para a permanência dos magos, e ainda uma boa desculpa para sumiços diários.
— Tenho que te agradecer muito por isso, professor. – Theo o acompanhava até o carro, junto com Lyra e Archie. Era fim de tarde, e ele ainda tinha que explicar a ausência do Leadengear aos seus pais.
— Não, acho que quem deve agradecer sou eu. Conhecer três aprendizes de uma vez, isso não tem preço. – ele fitou Lyra, e sorriu.
— Você não disse como nos reconheceu. – ela cruzou os braços.
— Ah, sim. Primeiro foram os nomes e cabelos. Depois pesquisei sobre vocês e descobri que a maioria das informações nos históricos eram falsas. E por último foi a marca de Lílian. Vocês são facilmente reconhecíveis para quem conhece a lenda. Sobre o Orbe… eu tenho minhas pesquisas antigas. Este orbe foi citado no livro, aliás. Aqui é longe demais dos impérios para vocês viajarem de Sellphir, e depois que Chris me contou sua história tudo fez sentido. A esfera os trouxe aqui, mas vocês não conseguem voltar porque a perderam.
— Devo agradecer por não ter vendido? – ela fez uma expressão engraçada, e Alexander riu.
— Talvez. Enfim, temos que ir. Até amanhã, crianças. E espero que finjam que nada aconteceu.
— Pode deixar. –Theo assentiu, e em seguida se despediu de Archie.
Lyra esperou o carro sair de seu campo de visão para começar.
— Disse que queria conversar comigo.
— Isso antes de saber que não tinha orbe nenhum. – ele pôs as mãos na nuca e deu dois passos à frente, ficando de costas pra ela.
Queria fugir disso também, como sempre fugia.
Mas Lyra não o deixaria escapar. Apareceu na sua frente, bloqueando-o.
— Mas vamos encontrá-lo mais cedo ou mais tarde. O que acha disso? – ela o encarou daquele modo duro como sempre. Talvez o assunto não a incomodasse tanto quanto o incomodava.
— Bem… você vai, eu fico, fim.
— Não é bem assim. Sabe de uma coisa? Eu sinceramente queria que você fosse comigo, mas acho que seria egoísmo demais, até pra mim.
Ele sorriu.
— Eu também queria ir, mas… não posso. Simplesmente não posso. E de qualquer modo, aquele não é meu mundo. – Theo pôs as mãos nos bolsos e se desviou de Lyra, voltando pra casa.
— Pode ser seu mundo se quiser, sabia? – ela disse quando ele estava longe. – e onde você pensa que vai?
Theo não parou de andar, e percebeu tarde demais. O ar saiu bruscamente dos seus pulmões quando sentiu o pé de Lyra nas suas costas, e depois viu o chão.
Ela vai me matar, de saudades ou de pancadas, pensou.
— Não me jogue no chão assim sua doida! – ele tentou se levantar, mas suas costas doeram. Percebeu que ela estava sentada ali.
— Nunca mais me deixe falando sozinha, senhor Steamwork. – ela sussurrou em seu ouvido e se levantou. – levanta, moleza.
Theo se virou ainda sem conseguir se levantar.
— Você podia ser mais delicada. – ele arfou – e podia desativar a força mágica, isso dói. E eu estou vendo a sua calcinha.
— Levante daí então, seu pervertido! – ela fechou as pernas rapidamente, e ele se arrependeu de ter dito isso.
Levantou-se tirando grama da roupa. Ela tirou as folhas de seu cabelo delicadamente, depois limpou um pouco de terra de seu rosto, e uma folha dos lábios. E depois o beijou.
Seria difícil.
Muito difícil.
●●●

O resto da semana e a seguinte passaram sem mudanças. Os garotos se reuniam na casa do professor depois das aulas, onde Chris estava confinado e só saía para ajudar nas buscas ou pegar roupas limpas.
Ele definitivamente estava odiando isso, mas não podia fazer nada.
Era simplesmente impossível encontrar Luce. Ele não emitia nenhum sinal diferente enquanto na pele de uma pessoa. Inclusive imitava batimentos cardíacos e respiração, e isso atrapalhava Lílian e seu sensor de passos.
Ainda assim, eles procuravam.
Aquela sexta-feira era o último dia de aula deles, e a partir daí teriam mais tempo e liberdade para buscas e pesquisas maiores.
Theo tirou o relógio do bolso, que indicava onze e meia. Estava desesperado para aquilo acabar. Coçou a pele irritada do queixo, e lembrou que precisava de uma navalha nova. Antes ele não precisava se barbear com tanta frequência.
Lyra quase suplicou para que ele deixasse a barba crescer, como ela disse? Que ficava, hã… sensual? Mas não podia, os alunos deviam ir completamente barbeados. Daí ela falou das férias e ele não achou desculpa para isso.
Ela é terrível, aquela maldita. – olhou-a de soslaio, ela ia cair dormindo no caderno em um minuto ou dois.
E foi de súbito que lembrou que faria dezoito anos em poucos dias. Riu disso. Havia esquecido completamente com os fatos do último mês.
Olhou pela janela distraidamente, para o céu cinza de fumaça, para os zepelins.
Se não estava doido, havia mais fumaça que o normal. Era verão, porém. Queimadas espontâneas eram comuns. Mas ainda assim era estranho.
Continuou a observar a fumaça ao longe. Depois apareceram pontos pequenos em seu campo de visão, mas longe demais para o alcance de seus óculos. Olhou pra dentro de novo, Lílian certamente veria bem o que era aquilo, mas ela anotava o conteúdo que estava no quadro, muito longe.
— Arch. – sussurrou discretamente.
— Que é?
— Que merda é aquela lá fora?
Archie olhou pela janela.
— Parece… sei lá, tem muita fumaça. Insetos?
— Nessa distância seriam insetos de três metros de altura…
— Steamwork. – o professor chamou e ele olhou o quadro negro. Assim que o homem voltou as costas, Theo olhou a janela de novo.
Nada.
Sumiram todos os pontos negros.
Não estava vendo coisas se Archie também viu. E a fumaça, ainda havia fumaça…
Então a terra tremeu levemente.
Lyra saiu de seu sono e olhou Theo.
— A terra treme aqui?
— Não. Geologicamente impossível, estamos no meio do continente…
Theo se levantou e olhou pela janela, junto com todos os alunos da sala.
Mordeu o lábio quando viu aquilo, e olhou Lyra.
Lá embaixo havia um esqueleto de metal, que reluzia ao sol. E de suas mãos surgiu uma esfera de energia.
Apontada para o prédio que estavam.








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CAPÍTULOS TENSOS COMING




E os jogos começaram \õ/


Well, se você está perdido, gafanhoto, a luz está nessa minha journal do DeviantArt. E, claro, nas imagens escondidas.




Lembrando os pdf's tem uma imagem diferente e o primeiro tem a Apresentação :3


até a próxima minha gente.

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