Ge
Cat olhou todos os lados.
Aquela coisa que a pegou no colo e levou até
ali a deixou em pé numa sala fria, com uma iluminação fraca. Se não corresse
tanto perigo, ela ia gostar de se lembrar de que voou, pelo menos por cinco minutos.
Mas isso
ficava pra depois.
Isso se
houvesse um depois. E algo berrava dentro dela que não haveria. Que voz era
aquela? Era familiar.
Ah, a Razão.
A voz que vinha ignorando desde que olhou os olhos cor de mel de Chris há
alguns dias. Dois, três.
Dois dias,
e já se sentia tão íntima dele.
Mas por
que estava pensando naquilo? Ela estava em um lugar estranho, escuro e frio,
com uma luz indireta horrível e a sensação de que morreria em instantes. E o
autômato ainda não pegou o diabo do livro, que ainda estava preso no cós de sua
saia.
Do nada,
luzes acenderam. Cat semicerrou os olhos para não sofrer.
Quando
olhou ao redor de novo, outro arrepio desceu por sua espinha.
Era tudo
tão frio, e tão metálico. Parecia seu laboratório na base de Wolfram. Só que
muito mais limpo. Aliás, estava limpo demais. Não havia móvel ou aparelho
algum. Nada, só o chão e as paredes de metal. E as luzes fortes, muito brancas.
Cat deu um
giro de cento e oitenta graus e quase caiu pra trás.
— Chris! –
ela correu até ele e o abraçou, completando com um beijo.
Mal seus
lábios tocaram os dele e ela notou.
Não era Chris.
Cat só
beijou um homem na vida, sabia muito bem como era o beijo dele, e aquele ali
nunca podia ser a mesma coisa.
Aquele
cara muito parecido com Chris pareceu assustado com toda a ação dela, e
continuou no mesmo lugar enquanto ela praticamente saltou pra trás.
— Você… –
as peças se encaixaram. – é Luce, não é?
Só podia
ser. Chris lhe disse que ele podia tomar a forma de qualquer um que visse, por
que não a do pai? E como ela foi tão estúpida? Aquele suposto Chris estava
completamente barbeado, de roupas alinhadas e com o cabelo penteado, o oposto
daquele que ela conviveu nos últimos dias.
Ela ousou
concluir que gostava mais dele desleixado.
— Sim. E
você é… Hemingway. Catherine Hemingway. Ph.D. em matemática e física pela
Universidade de Natrium, e-
— Eu sei
minhas graduações. – ela consertou os óculos. – e como você sabe?
— Eu vi.
— Onde?
— Nas suas
memórias, quando você… beijou-me. Desculpe confundi-la assim. Tomei dúzias de
formas nos últimos dias – ele começou a andar – mas a que mais me agrada é
esta. – sorriu.
Ver Chris
sorrir daquele jeito dava nós na cabeça dela. E ouvir a voz, a voz era a dele,
só que mais calma, mais leve. Não tinha o peso da culpa, não tinha o sarcasmo
nem nada, era só a voz dele.
Era uma
cópia tão imperfeita.
Ela forçou
a quebra do pensamento por causa de uma informação.
— Você viu
minhas memórias? Todas? Nesse instante?
— É
involuntário. Quando toco alguém assim, absorvo suas memórias, até as mais
profundas. Adquiri isso recentemente, por isso não domino bem.
Muito bem, Cat. Você está numa sala vazia com o
autômato de Chris que está com a cara dele. Como as coisas chegaram a esse
nível?
— Há muita
coisa em suas memórias, senhorita. Poderíamos discutir ciência em outra
ocasião, creio que se interessaria. Mas… eu preciso do livro com você. E eu…
não gosto de você.
As
sobrancelhas dela arquearam.
— Não é
obrigado a gostar… – mas isso é a certeza
de que vou morrer.
— Você… – ele deu um passo para frente e parou a centímetros dela. –
meu pai sente algo por você, que eu ainda não entendo. – tocou o rosto dela. – sente
muito mais por você que por mim. Seria pelo corpo feminino que pode lhe dar
prazer? Seria pelo modo de agir ou pensar? Por que seria? Eu queria entender.
Mas isso é complexo demais. Não sei o que é isso que ele nutre por você,
senhorita. O nome que vocês dão… é amor.
Cat
engoliu seco.
— Ele não
sente isso por mim. – Luce olhou o lado direito.
— Como tem
certeza? Ele não parece…
— Nós
ainda temos uma ligação. Como a de um pai e um filho. E eu… eu sinto as emoções
fortes dele, mas ele não sente as minhas.
Deve ser porque você não tem emoções, Cat quis dizer.
— Ele está
lá em cima, desesperado por você estar aqui. Preocupado, quase desabando. E se
culpando por tudo, de novo… ele se culpa tanto. Queria que não se sentisse
assim. Vai tudo passar logo. – sorriu, vazio.
Tudo era
vazio nele, agora ela não sabia o que sentir. Pena por aquela existência vaga,
ou ódio por ser a causa de todo o sofrimento de Chris?
— O que
você quer com o cilindro?
— Não, a
senhorita ainda não tem que saber. Mas em breve. Desculpe, mas – Luce virou um
borrão por um segundo, e depois voltou a ser visível – tenho que pegar isso.
O livro.
Estava na
mão dele.
Só então
ela sentiu o peso desaparecer de sua cintura. Quando foi que ele pegou? Como não senti?
— Magia. –
ele olhou a capa de couro – Agora consigo controlar alguns elementos, é muito
mais fraco que os garotos. Mas ainda posso quebrar essa, só que preciso usar o coração.
O Orbe.
Cat
franziu o cenho.
— Coração?
— Não
tente ganhar tempo, senhorita. Sabe o que é meu coração. Não mostrarei. É um
coração, preciso dele para viver. – sorriu novamente e guardou o livro dentro
do casaco.
Aproximou-se
de Cat novamente.
— O que
meu pai pensaria se eu te matasse? Ele nunca me perdoaria, não é? Sim, ele me
odiaria. Tentaria me matar. Choraria por você, diria que a amava, e se
lamentaria por nunca ter lhe dito isso. – ele tocou o rosto de Cat novamente. –
o que sinto por você? Não gosto de você, queria que desaparecesse. Não… na
verdade eu queria ser você. Queria estar no seu lugar… ele preocupado comigo,
desesperado. Qual é o nome desse sentimento? – olhou o teto. – Inveja? Sim.
Invejo você, Catherine. Invejo cada centímetro de seu corpo, de sua carne, seus
neurônios. Tudo. E você não é mais útil pra mim. Porém, não posso te matar. O
que faço contigo então?
Deixe-me ir embora? Dizer isso seria estúpido. Ela sentia um sufoco
subindo pela garganta, e esperava Luce dizer algo como “sinto muito, mas meu pai terá que me perdoar” e depois a morte.
Chris tinha
razão. Azar era uma doença contagiosa e Cat se contaminou. Não deveria ter
dormido com ele. Nem se aproximado. Nem saído de sua base quentinha e segura no
deserto de Wolfram.
Mas já era
tarde.
— Acho que
já sei o que fazer. – Luce disse, tirando-a do transe.
●
— Quem é
Varsak? – McMillan perguntou.
Lyra riu.
General Estorvo teria um a-ta-que
quando visse Varsak. E ele tinha que ver. Sofrer bastante antes de morrer.
Ela
sinceramente queria que ele morresse ali. Se não acontecesse, teria que
modificar as memórias dele para que esquecesse sobre os magos. O motivo era bem
simples. Ele era esperto, podia ir até o inferno atrás dela, e ninguém fora dos
Cinco Impérios deveria saber da existência deles. Os garotos com que conviveu
eram confiáveis, e eram só garotos.
McMillan,
não. Era homem velho, general, de caráter indiscutível. Podia demorar, mas ele
certamente descobriria como chegar até ela, até Raython.
E isso não
podia acontecer.
Ela fez o
feitiço para chamar o dragão rapidamente, e notou que Varsak não estava longe
dali. Chegaria em cinco minutos, ou menos.
— Você vai
ver quem é. Rapidinho. – sorriu, extasiada imaginando o desespero dele.
— O que
você fez? – o general voltou a perguntar.
— Chamei-o.
—
Fairmount está aí não é? Você não deveria ter vindo.
— Vá à
merda, General. Você não vai ficar me falando o que devo ou não fazer, não agora. – Chris cuspiu as palavras.
— Você
quer se complicar ainda mais, não é? – o general franziu o cenho.
— Que
diferença faz? Se eu sair vivo daqui, vou morrer numa cadeira elétrica!
— Quê? –
Lyra tentou vê-lo no escuro. – Como assim?
—
Fairmount é o responsável por tudo isso. De acordo com as leis, ele deverá
pagar com a vida.
Os dedos
de Lyra faiscaram, e Pyro a puxou.
— Não mate
o general, desmiolada. Ainda não. – ele sussurrou.
— Você
sabia disso desde quando, Chris? – Lyra se soltou do irmão.
— Oras.
Desde que fui preso. É meio, hã, óbvio. – ele tentou rir.
— E por
que não me disse nada disso? Eu poderia-
— Lyra.
Você não tem autoridade aqui. – Chris soou frio.
Ela
simplesmente não estava acreditando naquilo que ouviu. Como assim Chris morreria
depois de tudo? Depois que consertassem a bagunça, depois que ela voltasse pra
casa? Isso era errado, Chris não tinha culpa de nada daquilo.
Ele vai morrer por sua causa, Lyra.
Por sua causa.
Ela passou
a mão pelos cabelos, levando a franja pra trás. Agradeceu por estar escuro,
assim ninguém podia ver sua expressão. De horror, impotência, arrependimento,
culpa, tudo isso. E a morte de Chris pesaria em suas costas, mais que tudo.
Mais que
qualquer outra coisa.
—
Fairmount… – a voz do general cortou seus pensamentos – você disse que alguma Catherine
estava ali dentro, seria Hemingway?
Lyra
sentiu Chris hesitar.
— Sim.
— E o que
ela está fazendo aqui?
— Veio
tomar chá com Luce. – Lyra firmou a voz e ligou o sarcasmo no máximo. – cale a
boca, homem.
— Fairmount.
— Ela está
com o cilindro. O verdadeiro. – Chris continuou.
— Quando o
cilindro foi trocado?
— Nós não
dormimos em serviço, Estorvo. Agora dá pra parar de perguntar? E você Chris, dá
pra parar de responder?
—
Hemingway disse tudo a vocês, não? E vocês disseram tudo a ela. Por isso os relatórios
estavam completamente inconclusivos. Arrisco ainda outras coisas, sim, por que não? A ruiva mudou da água pro vinho
depois de passar umas horas com você, Fairmount. – ele riu.
E dessa
vez Lyra não conseguiu se controlar. No escuro, foi guiada pelo calor que o
corpo dele emanava. E o esmurrou, com direito a força mágica.
— Eu
mandei calar a maldita boca, General. – ela mudou o tom de voz.
McMillan
sentiu sangue na boca. Não só isso, sentiu a raiz do molar fazer cócegas na sua
língua.
Aquela menina acabou de arrancar dois dentes da
boca dele. Sentiu o inchaço crescer, a dor queimar. Era acostumado a apanhar,
mas nunca, em anos servindo o exército, levou um soco como aquele.
Voltou o
maxilar para o lugar com um estalo fraco, e escarrou o sangue. Teve cuidado
para não cuspir os dentes. Queria guardá-los.
Aquela
garota o intrigava cada vez mais… queria ter tempo para estudá-la melhor, mas
certamente não teria. Se dependesse dela, estava morto. Tinha que manter
distância dela, e de suas mãos.
Um tremor
na terra o assustou.
— Ah,
finalmente.
E um
rugido.
Um rugido
alto, descomunal, de rasgar a alma. McMillan nunca ouviu nada assim em vida, e
rapidamente afastou o mato todo para ver melhor o que era aquilo.
Os holofotes
dos autômatos no observatório se voltaram para a coisa, e Johannes soltou um
palavrão. O garoto ruivo a seu lado disse outro.
McMillan
nunca foi fã de histórias fantásticas, mas já foi garoto. Uma vez leu um livro
que falava sobre lagartos de quarenta metros de comprimento que tinham asas de morcego
e soltavam chamas pela boca. Sempre riu daquelas coisas, era idiota demais.
Até aquele
momento. Porque a vinte metros de distância estava um daqueles lagartos.
Gigante, asas negras. Todo feito de ônix, aliás. Os olhos eram rubis. Uma cauda
que derrubou uns bons três pinheiros adultos só de esbarrar.
Aquilo era
um dragão.
Um legítimo dragão.
— De onde…
o que é isso? – McMillan olhou Lyra, que saía do mato.
— Um
dragão, Estorvo. Até parece que você nunca ouviu falar deles. – ela deu um
assobio alto, e a criatura a olhou. – Hey, Varsak. Está vendo aquelas coisas? –
apontou os homens. – Tudo que você perceber que não tem sangue correndo nas
veias… poderia destruí-los? Sem desmoronar a construção, nós precisamos entrar
e tirar umas coisas de lá.
Ela dizia
baixo, mas estava bem longe dele. O dragão assentiu e rosnou.
— Há uma
garota lá… e o nosso orbe. Vamos tirá-lo de lá e irmos pra casa… – ela
acrescentou, sem empolgação.
O lagarto
guinou a cabeça um pouco e rosnou mais.
— Ah é?
Pareço tanto assim? Tem razão. Mas precisamos correr, garoto. Vai.
Varsak
girou a cauda e derrubou os vinte primeiros autômatos. Depois rugiu alto, e
passou a pisotear tudo ao redor.
— Limpe a
entrada, Varsak! – Pyro disse, e saiu do mato.
O pedido
foi atendido, e todos os homens-máquina que cuidavam da entrada do observatório
foram destruídos facilmente.
O poder
daquele monstro era incrível.
— Vamos
Estorvo. Não quer brincar? – Lyra o olhou, e correu pelo descampado.
McMillan
viu Pyro ir atrás dela, depois o garoto ruivo que não lembrava o nome e
Fairmount.
Então ele
semicerrou os olhos, pegou sua arma de mão e correu atrás deles.
Gente, tá sem desenho porque o blogger bugou, pra variar.
Nem tem problema, porque é o Estorvo e ele é o rascunho do mapa do inferno.
Nem tem problema, porque é o Estorvo e ele é o rascunho do mapa do inferno.
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Então, estou de "férias".
Eu deveria ver um monte de coisas, mas estou focada em terminar Ethernia para a publicação na Amazon. Isso inclui as ilustrações e revisão e averbação e bleh.
Maaaaaaas, estou separando um tempinho para postar sobre os últimos easter eggs, que tem a ver com esses capítulos finais =]
Continuem lendo :D
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