Theophilo seduzindo você. |
XXXI
Entrar não foi difícil, quando ele passou pela porta dupla, havia só sucata no chão.
Sucata, o que aquelas coisas eram. Não tinham mais a forma de seus homens,
eram só lataria metálica esparramada, fatiada.
McMillan
não parou para observá-los.
Desceu as
escadas dois degraus por vez, procurando os garotos. Seguia o rastro do cabelo
longo de Lyra, que chicoteava o ar à sua frente. Eles corriam rápido para
garotos que mal tinham treino.
Não… eles tinham treino. Não só preparo físico. Eles conheciam arte
marcial e esgrima. Além da magia.
Lyra parou
no meio do corredor e arrombou uma porta com a bota. Assim, só um chute e ela
caiu. Era uma porta de ferro, como
ela conseguiu? Talvez do mesmo modo como ela tirou dois dentes de sua boca com
um soco.
Todos
entraram. Era uma sala escura, mas as luzes acenderam com um estalar de dedos
da garota.
— Onde,
Pyro? – ela começou.
— Embaixo.
Três andares abaixo, aliás. Aqui cairemos em um corredor… acho. Não sou bom
nisso, Lílian teria que estar aqui.
—
Esburacamos tudo até dar certo – ela disse.
— Acho que
eu deveria ir direto ao cilindro, Lyra.
— Não, que
merda! Você sozinho lá? É idiota ou o quê? Lílian tem que aparecer primeiro!
Acha que eu não estou vendo o seu estado,
Pyro? – ela quase gritou.
Ela tinha
razão. O garoto do cabelo vermelho estava em farrapos. A roupa estava queimada
em vários pontos, cheia de fuligem. Onde não tinha fuligem tinha sangue. O
braço direito dele estava melado e sujo de terra, além de muito inchado. McMillan podia jurar que o osso estava fraturado,
mas o garoto não parecia sentir dor.
— E você
colou o osso errado, não é? – ela o olhou.
— Não
tinha muito tempo pra consertar. Isso vai dar trabalho depois, eu sei. E há um
modelo que é mais forte e esperto que os outros. Com um chute ele destruiu um
ou dois dos meus órgãos. Dá pra abrir esse buraco rápido, Lyra? Você nunca se
preocupou comigo, por que isso agora? – ele parecia intrigado.
Ela
franziu o cenho.
— Porque
não fui eu quem fez esses ferimentos.
– Lyra fechou a mão em punho e socou o chão. O piso trincou, e ela socou mais
duas vezes. Na segunda, desmoronou uma parte, e com um chute, ela alargou a
passagem para o andar de baixo.
— Que
força é essa, garota? Isso não é…
— Normal?
Achei que você já tinha reparado que eu não sou normal, Estorvo. Pulem.
Chris se
apressou e pulou, caindo de mau jeito lá embaixo. McMillan pulou logo atrás.
— Vá,
Lyra. Eu cubro a retaguar-
A porta se
abriu, e Pyro lançou energia para destruir o autômato que vinha. Tom se armou.
— Melhor
ir. – Tom reforçou. – Sério, aqueles dois não vão durar nada lá embaixo sem um…
mago. – Olhou-a de esgrelha.
Lyra não
queria descer. Estava preocupada com Pyro, algo que realmente nunca tinha
sentido. Não sabia explicar bem, mas todo o ciúme que sentia dele, do filho
perfeito, do mago perfeito, do garoto perfeito, desapareceu.
A resposta
para tudo aquilo era única. Distância.
Lyra nunca conviveu tanto tempo ao lado de Pyro, e isso distorcia a imagem que
ela tinha dele. E agora…
Um tiro
cortou seus pensamentos. Só podia ser o general.
— Oh,
merda. Não morra, entendeu? – disse ao irmão.
— Por
favor, Lyra. Somos protegidos por deuses, esqueceu? Não morremos antes de
termos herdeiros…
— Pegue
isso então. – Lyra jogou sua espada.
— Não
preciso disso – ele pegou-a no ar.
Lyra
ignorou e pulou para o andar de baixo. Ele tinha razão, não devia se preocupar…
não ainda.
Pyro olhou
a porta novamente.
— Melhor
descer, Tom. Você vai me atrapalhar.
— Não. Eu
vim só destruir essas coisas. Não preciso ir muito longe. – Ele riu.
— É
divertido, não é? O som que fazem quando quebram. – Pyro avançou em um dos
autômatos, cortando transversalmente.
— Soa
quase como ossos quebrados – Tom ergueu a espada e cortou outra máquina na
altura da cintura. – Só que é mais seco.
— Sim, e
mais chato. – Pyro golpeou mais.
Um caía e
três apareciam, desse modo eles nunca poderiam descer. Pyro não podia ficar ali
a vida toda. Precisava encontrar uma solução definitiva, mas qual? Não podia
simplesmente explodir tudo, não sem correr o risco de abalar os andares
inferiores.
— Você é
tão diferente dela – Tom disse entre uma estocada e uma decapitação.
— De quem?
— Lyra.
Ela me disse que vocês são irmãos.
— Ah, sim…
ela tem mais características dos Thrower, e eu, dos Watari. E como eu sou –
estocada – o príncipe – corte – eu devo usar o nome de minha mãe.
— Não
entendi bem, mas…
— É,
esqueça.
Os
autômatos pararam de vir. Pyro ainda esperou por dois segundos, e nada de mais
robôs.
— Vamos
descer, rápido, antes que-
A porta
explodiu com um impacto forte. Foi lançada na direção deles, e Pyro a desviou
com uma magia. Quando ergueu os olhos para ver o oponente, não se surpreendeu.
Era outro
daqueles. O terceiro no mesmo dia, Pyro se sentiu realmente azarado.
Mas era
melhor assim. Antes irem atrás dele do que de Lyra. Ela teria muito mais
dificuldade, e estaria perdida se por acaso quebrasse um dos braços, ou uma das
pernas.
— Você de
novo, humano estranho…
— Você de
novo, autômato estranho. Estamos ficando íntimos. – Ele sorriu, falso. Rodou a
espada na mão, andando, tomando distância. Tom fez algo parecido.
Pyro não
queria saber do garoto ruivo. Não podia protegê-lo, ele estava sozinho. A única
coisa que faria era chamar a atenção do autômato o máximo possível, o que
certamente não seria difícil.
Cobriu a
espada com mais magia e desapareceu no ar. Surgiu logo atrás da criatura, e
golpeou o pescoço dele, visando as artérias visíveis ali. Não podia acertar as
placas metálicas, isso quebraria a espada.
O robô
girou quase que imediatamente, e parou o ataque com a mão nua. A espada não
quebrou, e faíscas saíram pelo choque.
Pyro não
soltou a espada, e lançou energia com a mão quebrada. Em seguida, desapareceu
novamente.
A energia
cortou um dos canos, mas só um. Havia
tantos… qual seria o certo? O principal? Pyro queria encontrar, queria testá-lo
até demonstrar uma fraqueza, mas não tinha tempo…
O autômato
mudou a forma do braço para algo semelhante a uma espada, e atacou
imediatamente após.
Os golpes
eram rápidos e precisos, mirando sempre pontos vitais. Se Pyro não tivesse a
Sellphir a seu favor, estaria morto.
Parou uma
estocada com a espada, e faíscas surgiram. Depois usou de velocidade para
tentar cortar outra artéria.
Conseguiu.
O autômato o fitou com seus olhos de luz vermelha, mas fora isso, nada de mais.
— Não vai
conseguir me derrubar assim, humano. Estou perto demais da fonte… mesmo que
corte todas as minhas ligações, se a principal ainda funcionar, não cairei –
ele disse friamente, erguendo a mão-espada. – Já você não teria essa sorte…
Pyro pulou
pra trás, desviando do ataque. A lâmina passou rente à sua pele, por um triz
não o partiu ao meio.
Mas ainda
o cortou. Foi o que constatou quando a dor o atingiu no peito. A dor de um
corte limpo, reto, transversal, do ombro ao quadril oposto.
Pyro não
parou para ver o prejuízo. Visou atacar mais uma artéria, e o robô já ia parar
seu golpe. Porém, era apenas uma distração. O mago desapareceu e surgiu às costas
da máquina. Lançou uma de suas esferas de energia pura, e não ficou lá para
ver.
A esfera
explodiu o pescoço dele, que pendeu para frente. Pyro esperou que tivesse
atingido a artéria principal, mas a cabeça se levantou.
— Errado
ainda, humano.
Era mais
resistente que pensou. Mas estava quase lá. Com certeza a magia fluía por um
tubo até a cabeça, ou partia da cabeça para o resto do corpo. Só precisava
atacar mais ali, e então…
Pyro viu
duas estacas claras perfurarem a garganta do autômato, e ao perceber o que
eram, suspirou aliviado.
Elas
explodiram, e o corpo metálico caiu, revelando quem o atingira.
Lílian
abaixou o arco.
— Tiros no
pescoço são infalíveis. Sendo a coisa humana ou não. – Ela o pulou e entrou. –
Desculpe a demora. E você não deveria estar aqui, Tom.
Ele deu de
ombros. Ainda estava absorto na luta que presenciou.
Pyro tirou
o resto da camisa queimada e agora cortada. O corte do autômato não foi
superficial, mas ele podia suportar.
— Pra
onde, Pyro?
— Pra
baixo. – Ele olhou o buraco no chão.
●
Lyra caiu
no chão e levantou num pulo, correndo na direção do General.
— Saia da
frente! – ela berrou, e ele deu espaço.
Em
seguida, liberou energia pura pelas mãos, derrubando o autômato do corredor.
Ele arrastou os dois que estavam atrás, e ela os pulou.
— Chris,
você tem uma espada aí?
Sim, ele
tinha. Mal se lembrava daquilo. Sacou-a e jogou de qualquer modo. Lyra pegou-a
no ar, e cortou a cabeça das máquinas.
Ela fazia
aquilo tão facilmente. Claro, não eram humanos, mas… será que ela podia fazer
isso com pessoas também?
Logo ela
correu, cruzando o corredor. Três andares, foi o que Pyro disse. Precisava
chegar até lá, de preferência sozinho. O que Chris tinha em mente só
funcionaria – em teoria – se ficasse só com Luce.
Lyra e o
general eram rápidos demais, corriam como se não houvesse amanhã, o que de
certo modo podia ser verdade. Mas eles tinham preparo físico, Chris não.
Sentia-se cansado, a cada curva, mais fraco. Passava por cima das carcaças,
tentava não olhá-las.
Tentava não
se apiedar delas.
Porque
querendo ou não, aquilo era o seu sonho, aquelas criaturas belas, polidas,
perfeitas. Arredondadas, detalhes em azul. Brilhantes olhos brancos. Um monte
deles, fazendo qualquer coisa, isso não importava. Vê-los caídos, destruídos
assim, era tudo tão…
Balançou a
cabeça e desceu as escadas. Vira o cabelo de Lyra virando à esquerda. Podia
haver uma escada só que seguisse direto até o terceiro andar subterrâneo, não
aqueles corredores intermináveis.
Chris
quase trombou com o general ao virar uma esquina. Estavam os dois parados,
empacados. Chris se esgueirou ao lado de Lyra e viu o motivo.
Era… o ninho? Como podia chamar aquilo? Era…
de onde as cópias saíam. Uma sala enorme, ovalada, cheia de tubos, casulos.
Neles, todos os protótipos. As aranhas, os autômatos normais, e aqueles
maiores, que levaram Cat. Dúzias e mais dúzias deles, presos por tubos que
forravam o chão e o teto.
— Chris –
Lyra chamou.
— Sim.
— Eles te
atacam?
— Não.
— Você
quer falar com Luce, não é?
— Sim.
— Viu o
mapa no corredor? Sabe como chegar lá?
— Não, que
mapa? – não tinha visto nenhum.
— Atrás
daquela porta lá – apontou o fim da sala. – Uma escada. É a única sala do
andar. Você tem que correr.
Lyra o
olhou, como se o conhecesse há anos. Apesar de todo o jeito de lenhador
beberrão, ele gostava da garota.
— Tome
cuidado, Lyra. – Chris disse, ao mesmo tempo em que dois autômatos maiores
apareceram no meio da sala.
— Vai,
depois eu chego lá. Enrole ele, hã? Não o deixe ativar o cilindro.
— Certo.
E Chris
correu. Sem medo das máquinas à sua frente. Correu na direção delas como se não
estivessem ali.
E os dois
autômatos abriram passagem, dizendo “pai”
em uníssono.
Chris
sentiu um bolo na garganta.
Não queria
ser pai deles. Ou queria?
Abriu a
porta com facilidade, e viu a escada. Desceu aos pulos, e viu a outra porta
única.
E a abriu.
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