Pyro tirou os olhos da janela e encarou
Lílian.
Teve uma
ideia, e durante a noite, desenvolveu-a. Viu sua irmã aos beijos com Theo, e
não sentiu nenhum remorso ao interromper.
Pyro ainda
achava aquilo um pouco estranho. Ainda tinha algumas cicatrizes que sua irmã
lhe causou. Ela já o deixou a um fio de morrer pelo menos três vezes. Eles
nunca trocaram mais do que dez palavras antes de se atirarem numa violenta
briga. Evitavam-se ao máximo, e há um mês eles agem como se nada disso nunca
tivesse acontecido.
Simplesmente
começaram a ser irmãos do zero. E agora eram próximos e conversavam banalidades
sempre.
Situações extremas mudam as pessoas, Pyro. Lyra
ainda passará por uma delas, ainda aprenderá. – sua mãe lhe disse uma vez, olhando pela janela e tocando o ventre.
Ela sempre tocava aquele local, como se fosse um lembrete.
E Pyro
sabia por que, mas preferiu fingir que nunca soube.
De
qualquer modo, Lyra parece ter aprendido.
— Que foi?
– ela se aproximou.
— Então.
Lembram-se daquele cilindro que o autômato levou? Da possibilidade de haver um
na Aurum?
— Sim. –
Lílian assentiu.
—
Precisamos conferir isso. – Pyro continuou.
— O
exército deve ter cercado aquilo tudo, ou movido o cilindro, não? – Lyra questionou.
— Não sei,
mas acho pouco provável. A remoção, digo.
— Podemos
ir sim, mas e se alguém aparecer, ou nos chamar? – Lílian se apoiou na janela.
— Sós dois
de nós vão. O que ficar sustenta cópias mágicas. – ele disse com tom frio.
— Cópias
mágicas cansam rápido demais. – Lyra ergueu as sobrancelhas.
— Sim. Por
isso sugiro que você fique. – Pyro apontou para Lílian. – a sua constituição
mágica é mais forte que a nossa. E você pode criar os clones apenas se sentir
alguém aproximar.
— Sim,
parece bom. Mas vocês dois juntos…
Eles se
encararam. Lílian bem sabia de seus desentendimentos eternos.
— Não se
preocupe. Nós nos entendemos agora, não é? – Lyra o fitou.
Sim, claro que sim. Finalmente conseguimos algo
em comum além do sangue, não é? Entendemos bem a dor um do outro, aquela que
diz respeito às pessoas que cativamos aqui e teremos que deixar…
— É. – ele
sorriu.
Lílian
abriu um sorriso luminoso, um daqueles que Pyro não via há muito tempo.
— Tão bom
saber disso, vocês não tem ideia.
Realmente
Pyro não tinha. Lílian também escondia suas cicatrizes das vezes que tentou
separar os dois, sem sucesso. Aquela conciliação era algo que ela não esperava
ver, mas ansiava.
Lílian
sempre tem esperanças que tudo vai acabar bem. Isso vinha de sua linhagem
élfica, e Pyro se sentia bem em tê-la por perto.
— Contar
aos garotos?
— Sim.
Em poucos
minutos todos estavam a par da situação, e ninguém ofereceu objeções.
Lyra
beijou Theo e se colocou ao lado do irmão.
— Ficamos
invisíveis aqui ou lá?
— Aqui. Eu
coloco o feitiço em você, assim podemos nos ver.
— Ah, é?
— Não
sabia disso?
Ela riu,
sem graça.
Quando uma
pessoa deixa outra invisível, o conjurador pode vê-la. Quando dois conjuradores
invocam separadamente em si mesmos, um não é capaz de ver o outro. Uma das
primeiras coisas que se aprende, e ela não sabia.
Provavelmente
dormia nas aulas.
Aulas de Phyreon, como seria possível?
Pyro
deixou-a invisível e logo ficou. Ouviu exclamações de Liv, tocou o ombro de
Lyra e desapareceram.
Surgiram
no meio de um dos pátios. Soldados circulavam por todo lado, guardando o local
como se fosse um forte. Também juntavam todo o entulho e retiravam mesas e
cadeiras. Pyro ouviu alguém dizer “prédio
condenado” e suas sobrancelhas se ergueram.
Simplesmente
era injusto que algum daqueles prédios tão belos e firmes precisasse ser
derrubado. Aquela escola ainda precisaria de muitas reformas até voltar a ser o
que era. Lamentou em silêncio por isso.
Depois
puxou sua irmã pela camisa e eles seguiram até o prédio de Desenvolvimento e
Pesquisa, onde foram capturados.
Não havia
mais entulho, e sim homens por todo lado.
Pyro
sussurrou no ouvido da irmã para que eles descessem um andar via Sellphir, e
ela o fez.
Na
verdade, havia mais dois andares subterrâneos além daquele, Pyro descobriu
depois de tocar o chão por um momento, e se reprimiu por não ter sentido isso
antes. Achou aquilo no mínimo estranho, e desceu com Lyra até o último nível no
subsolo.
Era bem
iluminado e bem guardado. Os soldados vestiam roupas diferentes daqueles de
cima, negras. E suas armas pareciam melhores. Protegiam algo realmente
importante, e os irmãos tentavam achar o que.
Entraram
numa sala ampla, que lembrou o laboratório de Amy. Paredes revestidas de chapas
de aço, aparelhos estranhos que emitiam chiados e bipes. O ar era denso e
estagnado, parecia que não abriam aquele lugar há anos.
Não havia
ninguém, só as máquinas, e uma cúpula no centro de tudo. Os fios das máquinas
levavam até aquela cúpula, e Pyro chegou mais perto para ver melhor.
Dentro do
vidro, havia um cilindro idêntico ao que Pyro vira nas mãos do autômato.
E aquilo
só podia ser importante, dada a segurança que tinha em volta.
Olhou
Lyra, procurando uma afirmação para o que faria a seguir.
●
Cat se
lembrava de tudo que Nicky lhe dissera. Um monte de coisas que Chris podia
fazer com ela ali, naquela mesa mesmo. Havia inúmeras combinações, e Cat fizera
alguns cálculos sem querer, obtendo um número muito alto de possibilidades.
Eventualmente
ele escolheria um caminho, um que ela talvez tenha pensado à noite.
Isso era
tão inconsequente, tão irresponsável.
Pareciam dois adolescentes, não adultos. Dois lados de sua mente duelavam sem
trégua: A razão, que dizia que deveria parar antes que tudo piorasse ainda
mais, e aquele lado negro, que Cat sempre ignorou a vida toda. Aquele lado que
dizia a ela para brincar com os garotos na rua ou então fugir para o baile de
formatura.
A Razão
sempre dissuadia o outro lado com coisas simples. Afinal Cat também amava ficar
em casa fazendo contas. Assim era fácil ignorar aquela voz chata e trabalhosa.
Desde
ontem a Razão anda em segundo plano. De algum modo aquele beijo fez as coisas
mudarem, e ela percebeu o que tinha perdido nesse tempo todo.
Não queria
perder mais nada.
Mas se não
fizessem nada a respeito daquele autômato, não haveria vida para aproveitar.
Sua mente
voltou para a situação depois que Chris mordeu seu pescoço devagar. Sentia um
arrepio diferente a cada vez que ele a tocava, cada vez que a barba arranhava a
pele cheia de sardas. Cat se sentiu um pouco incomodada com elas. Não tinha
tantas, mas sua grande amiga tenente fê-la
usar biquíni uma vez. As sardas apareceram e nunca mais saíram. Porém, Chris
não parecia se importar. Unia os pontos com os dedos antes de beijá-los.
E ele era
muito mais delicado que Nicky disse que poderia ser. Chegava a ser gentil. E
isso só era pior. Se antes não conseguia odiá-lo por ter roubado seu primeiro
beijo, agora sentia algo diferente, sentia… pelos infernos, estava gostando dele. Começou a desejar que ele
tivesse aparecido há no mínimo dez anos, e não agora. E cada suspiro dele… era
como… como se ele tivesse alguma dor forte demais, na alma.
E que
estivesse usando-a para aliviar essa dor.
Seria isso
mesmo?
Talvez sim.
Chris estava tão sorridente e de certo modo, despreocupado. Como podia ser tão
idiota? Era óbvio que ele escondia o realmente estava sentindo.
Assim que
concluiu isso, ele simplesmente parou. Partiu o beijo devagar e se afastou.
Olhou-a de cima a baixo e mordeu o lábio, parecia preocupado.
E seus
olhos, Cat conseguiu ver finalmente. Aquela dor que cogitou. O desespero, agora
estava tudo bem ali, bem visível, claro como solução aquosa de ácido
clorídrico.
Chris não
estava só arrasado, estava destruído.
Ela o fitou, esperando alguma reação.
Não tardou
a vir.
—
Desculpe. Nem sabia se… você queria mesmo isso.
Creio que seja tarde demais pra dizer isso… – ela pensou.
— Somos
adultos, Chris. Não precisa pensar assim.
— Só acho
que não está certo. Que… – ela apoiou as mãos na mesa e deixou a cabeça
despencar. – estou usando você pra esquecer meus problemas.
Era o que
tinha deduzido, mas ouvir isso da boca dele doeu. A agonia do tom que ele usou,
aquilo fez algo apertar em seu peito.
Cat subiu
os óculos nariz acima e só então percebeu que não tinha tirado eles. Depois
fechou sua blusa sem abotoá-la.
— Eu sei.
– respondeu, e ele ergueu os olhos para encará-la. – sei que isso é só pra te
aliviar disso tudo.
— Esqueci
que você é o gênio daqui. – ele sorriu tristemente.
— E não me
importo, não com isso. De algum modo, estou te usando também. Então… não
precisa ter medo.
Ela
acariciou o rosto dele, sentindo os pelos da barba arranhar a palma de sua mão.
Chris a
olhou por um bom tempo, indecifrável, sem piscar. Havia pequenos pontos
dourados nos olhos dele, agora reparou. Alguns dourados, outros até
esverdeados. Tentavam estudá-la? Ou ele queria correr dessa vez?
Não, ele
não podia fugir mais. Agora era ela que não queria deixá-lo ir.
Cat se
inclinou para frente e tomou o rosto dele com as duas mãos. E o beijou. E desta
vez ela sentiu algo bem diferente, sentiu todas as emoções dele se anuviarem
devagar, todos os músculos relaxarem, todas as defesas caírem. Secou com um
dedo a lágrima que desceu pelo olho esquerdo dele e o abraçou com mais força.
Ele a
apertou nos braços e tomou seus quadris, mais firme.
E ela só
queria que ele se sentisse bem, mais nada.
Chris não
sabia dizer há quanto tempo estava naquela sala. Só se deu conta que era noite
depois que Cat se levantou e disse que precisava inventar um relatório cheio de
termos técnicos e totalmente inconclusivo sobre o que supostamente fez naquele
dia.
— A
intenção é que o general Johannes Acéfalo McMillan não entenda nada. Não vai
ser difícil. – ela riu enquanto ajeitava as mangas da blusa.
Ela estava
desgraçadamente feliz, algo que ele invejava ainda.
Lembrou-se
de algo relativamente importante, mas não sabia como perguntar. Nunca se
preocupou com isso antes, suas meretrizes eram confiáveis. Mas aquele era outro
caso bem diferente.
Chris
nunca imaginou nada disso na vida, mas não se surpreendia mais, não depois de
tudo que viu, e ainda veria.
— Hã, Cat.
— Que foi?
– ela lutava com os sapatos.
— Bem. –
Chris coçou a cabeça e olhou-a. – Nós brincamos de fazer crianças, sabe.
Ela ergueu
o tronco e o olhou com sua expressão abobalhada.
— Ah. –
ela se lembrou, como se fosse detalhe. – não posso ter filhos, Chris. Talvez
fosse por isso que, sei lá, nunca tentei. – concluiu, sem emoção.
Ele não
soube explicar por que sentiu algo estranho. Uma pequena agulha perfurando devagar,
no fundo do que restava da sua alma.
Forçou um
sorriso.
— Vai
ficar ainda? – ela perguntou.
— Sim.
— Certo.
Até mais.
Chris virou
as costas, as mãos nos bolsos. Ouviu os sapatos dela.
— Cat.
— Sim?
— Quantas
pessoas Luce matou?
Ela
hesitou.
— Você é
um civil, Chris. Não tem que saber.
Ouviu a
porta bater em seguida. Fitou a mesa que esteve com ela o dia inteiro. Ainda
havia manchas de sangue.
Queria
saber até quando teria sangue nas mãos.
●●●
Quando
Nicky entrou no quarto, achou Cat deitada em sua cama olhando o teto, sem
piscar. Estava com aquele mesmo pijama de flanela azul.
Ela estava
pensativa demais, e por um momento Dominique não quis perguntar nada.
Mas sua curiosidade
era maior.
— E então,
kitten?
Cat não
piscou. Ela geralmente fazia isso quando estava trancada em seu mundo de
fórmulas e equações.
— Cat.
Caaaaaaaaaat. – chamou de novo, e ela se assustou.
— Ah, oi.
— Ah, oi.
É isso que você diz, ah, oi. – Nicky
cruzou os braços. – pode ir me contando.
Cat corou.
— Eh… por
onde eu começo?
— Do
começo, gênio.
Cat
suspirou e contou tudo que conseguia se lembrar. Mas se demorou em uma parte.
—
Destruído. Ele não estava só se sentindo mal, ele estava acabado. – Cat limpou
os óculos. – claro que estaria. Querendo ou não, é a invenção dele que está
fazendo isso tudo. Eu percebi que ele estava me usando para descontar as
frustrações dele um pouco tarde demais, mas não fiquei com raiva nem nada. Era
impossível ficar, Nicky. Você tinha que ver
a expressão dele. Tive vontade de… sei lá, ajudá-lo de algum modo.
Dominique
ergueu as sobrancelhas. Raramente via sua amiga mover um músculo para ajudar
outra pessoa, no que quer que fosse.
— Aí ele
confirmou o que eu tinha pensado. Disse que estava mesmo me usando, e eu achei
que ele até ia embora… então eu disse que não me importava com isso e o beijei.
Aí continuamos até anoitecer.
Silêncio.
Nicky reparou que ela estava mesmo preocupada com Chris.
— Quando
eu estava saindo ele perguntou sobre filhos. E… ele fez uma expressão tão
indecifrável quando eu disse que não podia engravidar. Parecia que ele queria
ter uma criança dele, e que até nisso fracassou. – ela concluiu com um suspiro.
— Não
sabia disso, Cat.
— Nunca te
disse? Quando eu tinha espinhas no meio das sardas um médico qualquer falou que
eu tenho uma chance em cem mil de ter um bebê. Aí eu disse que era melhor, e
que não queria que crianças arruinassem minha carreira científica.
Nicky
revirou os olhos.
— Sempre delicada.
Você está preocupada com ele, dá pra perceber.
— Queria
poder contar sobre… o que o general disse. Sei lá, dar uma chance para ele
concertar as coisas.
— Como
assim?
— Ele
sabe. Ele sabe como parar Luce, o autômato dele. Eu sei disso. Mas ele quer
resolver sozinho. Como uma redenção, a última coisa que faria.
— Você diz
como se ele fosse se matar em seguida.
— Já
tentou antes, não é? Mas creio que isso não. Você sabe, Nicky. Chris será preso
por isso de qualquer modo. – Cat encarou a amiga.
Nicky
fitou os olhos azuis claros. Esqueceu que falava com Catherine Hemingway, a
mente mais brilhante de todo o exército. Não citou nada sobre a pena de Chris,
mas óbvio que ela sabia disso.
— Quantos
anos? – Cat perguntou em seguida, solene.
— Se não o
responsabilizarmos pelas mortes de civis – suspirou – e se ele conseguir o
melhor advogado do mundo, e se o juiz estiver de bom humor, setenta e cinco. –
disse com pesar. – no pior caso, – engasgou.
Cat não
precisou ouvir mais.
Pena de
morte.
---------------------------
não cara, hoje não tem easter egg.
E os jogos começaram \õ/
Well, se você está perdido, gafanhoto, a luz está nessa minha journal do DeviantArt. E, claro, nas imagens escondidas.
Lembrando os pdf's tem uma imagem diferente e o primeiro tem a Apresentação :3
até a próxima minha gente.
0 comentários:
Postar um comentário