O Orbe de Reidhas, Spin-off #1 | Capítulo XXVII

ARCHIE SEU LINDO


XXVII

— O
nde está, Tom? Pode me levar lá? – Lyra soou urgente.
— Posso, claro que posso. Só que antes eu quero saber uma coisa. – Tom usou um tom de deboche.
— O que?
Quem é você? – e agora ficou sério.

Lyra responderia de modo rude. E arrancaria o que queria dele. Claro que faria isso. Mas…
Tom acabou se envolvendo nisso até o último fio de cabelo. E foi tudo culpa dela. Ela o torturou, para começar. Ela mostrou que sabia magia.
— Andando, e eu conto. – ela o empurrou para frente.
— Pode começar.
— De onde eu vim há cinco impérios. Cada descendente real nasce como eu, com magia no sangue. São raros, sabe? Cinco a cada geração, cada um pra governar um lugar. Eu sou princesa de Raython, um desses cinco. Pyro é príncipe de Magma e Lílian é de Ethernia. Cada um de nós tem afinidade maior para um elemento, e o meu é eletricidade. O de Pyro é fogo e de Lílian é terra. Mas ainda assim nós sabemos mais coisas.
O general riu.
— Acho melhor não rir, general. Você viu que é verdade.
— Não é disso. É que… pensei que eram só fábulas. Pensei que você tivesse problemas genéticos, e não que morasse no mundo da fantasia. – ele riu mais.
— Você é mesmo prima de Lílian? – Tom ignorou McMillan.
— Sim. E irmã de Pyro.
— Aquele garoto nada tem a ver com você, menina. Ele parece ter cérebro. – o general entrou na conversa novamente.
— Mas é. Nunca disse isso porque não precisava de ninguém saber.
— E como veio parar aqui? E essa coisa com os robôs? – Tom retomou.
— Aí é que nós encaixamos na coisa dos autômatos. Viemos pra cá pela magia de um orbe. Mas nós perdemos o orbe quando caímos, e encontramos Theo. Ele resolveu nos ajudar e… nós descobrimos onde o nosso orbe está.
— Onde?
— Fairmount encontrou-o e usou como energia para o autômato dele… por isso a coisa criou consciência, evoluiu e se tornou independente. E fugiu. E causou isso tudo. E sabe, eu provavelmente já estaria com meu orbe na mão se não fosse o General Estorvo e seu exército precisamente inútil.
— Ponha-se no meu lugar, menina. E veja como fala comigo.
— Ou o que? Vá à merda, desgraçado! Se eu estou dentro desse maldito esgoto, se o meu namorado está trancado lá na casa de Archie, é tudo culpa sua!
Ela sabia que não. Que tudo aquilo aconteceu mesmo porque ela roubou o orbe das coisas de Phyreon. Mas estava tão cansada de por a culpa nos próprios ombros que queria transferir um pouco pra alguém. E porque não aquele homem que mal conhecera e já odiara?
— Deveria ter contado a verdade.
— Ah, certo. E numa hora dessas eu teria fugido de um sanatório.
— Sala de experiência seria um palpite melhor, princesa. – ele levantou um dedo.
— Tom.
— Hm?
— E você? Por incrível que pareça, Theo ficou preocupado com você. O que aconteceu depois que fugiu?
Tom deu mais dois passos.
— Fugi por aqui, os esgotos. Daí fui pra casa. Depois… depois começou. Não ouvi falar de vocês, ninguém que eu perguntava sabia… e vieram… as listas. Dos mortos, feridos. Vocês também não estavam nelas, só na lista de desaparecidos, mas… eu sabia que vocês estavam vivos… e queria ir atrás mas… tive que reconhecer uns corpos.
Lyra não interrompeu. O tom dele foi entrecortado, arrasado. Havia algo embolado na garganta dele.
— Muita gente morreu, muito moleque que eu conhecia. E um colega que me ajudava a zoar com Theo. Eles sabem disso? Das mortes?
— Não. – Lyra disse baixo.
— Aí eu… peguei essa espada aqui e saí por aí. Por todos os infernos, Lyra. Ninguém sabia o que estava acontecendo, ninguém sabia que eram esses autômatos, os jornais não falavam nada, mas eu sabia, só eu! Não aguentei isso tudo. E fugi, e andei a cidade inteira até parar em um lugar. Era estranho, sabe? Havia gente, mas ao mesmo tempo parecia não haver. Estava tudo frio demais, mecânico demais… fiquei esgueirando pelo mato até ver eles saírem. Mais desses autômatos. Eles podem se transformar em pessoas…
— Só a pele. Como você reparou, ainda eram… como dizem? Máquinas.
— E onde é esse lugar, garoto? – McMillan perguntou.
Tom ignorou. Sempre teve desprezo por autoridades em geral.
— Sim. E também eu encontrei alguns corpos, dos originais… foi quando eu… decidi que ia encontrar vocês, porque tinham algo a ver com isso, eu tinha certeza. Só que não consegui chegar onde os soldados estavam, a segurança tava muita.
— Na casa de Archie. Eles tomaram o descampado todo ali perto, e nos prenderam, e interrogaram, e trataram como os causadores da merda toda. – o tom de irritação de Lyra foi maior, olhando de esgrelha o general.
— Por que não saíram de lá? Vocês podiam. Eu te vi desaparecer num piscar de olhos.
— Sim, só que não sairíamos sem um plano, Tom. Só que o plano se foi. Em partes né. Você sabe onde é o lugar.
— Que plano?
— Não é da sua conta, General Estorvo. Estamos conversando aqui só eu e Tom, né Tom? – ela deu um tapa leve no ombro dele.
E sentiu-o tremer. Trincar os dentes, talvez.
Lyra semicerrou os olhos, um tanto pesarosa.
O garoto ainda tem medo de você, psicopata. Parabéns.
Anotou mentalmente para não tocar em Tom. E muito menos dar choques nele.
Ela nunca deixava assuntos inacabados, e como aquele viera a tona…
— Tom.
— Hm?
— Não vou me desculpar sobre aquele dia.
— Não quero que faça isso. Eu precisava daquilo. Não sou mais o mesmo, Lyra. Claro, algumas coisas realmente ruins vieram com aquilo, mas no fim… não importa. Eu deveria agradecer, de algum modo.
— Certo então. Mas saiba que eu realmente ia te matar. – ela usou seu tom sério, e já ia mudar de assunto.
— Você ia realmente o que?
Lyra parou dessa vez.
Matá-lo! Assim como eu vou fazer com você se não calar essa maldita boca! – as mãos dela faiscaram, iluminando o esgoto.
— Ei, sua luz é mais forte. – Tom olhou para ela, e riu da expressão daquele homem ao ver as faíscas.
Aquelas faíscas… ele não olhou por muito tempo. Ainda sentia-as pelo corpo.
McMillan olhou-a com um misto de admiração e medo.
— Venha, Lyra. – Tom chamou, e ela o seguiu.
— Eu ia te perguntar uma coisa… ah sim. Onde é o lugar em que você encontrou os autômatos?
— É no observatório astronômico de Rhenium Valley.


Lílian beirava o desespero quando sentiu a magia de Pyro no porão.
Oh, claro que ele ia correndo salvar a namorada e deixar a prima morrer aqui em cima, óbvio, bem óbvio para um Watari idiota. É o maldito cabelo vermelho, meu pai sempre diz…
Calma Lílian. Calma. Pai tem seus problemas com a mãe de Pyro, você não.
Mas ela tinha que admitir que os Watari geralmente não eram muito espertos. E sempre acreditou que Pyro era exceção à regra.
Atirou mais flechas nos autômatos. Os homens caíam um a um, e ela salvou o capitão deles pelo menos duas vezes. Ele não podia morrer. Os homens se perdem quando seu líder cai.
Ela também criou trincheiras com um movimento de mão. E uma vala enorme que tragou quase todas aquelas aranhas metálicas. Teria que se desculpar depois por arruinar o jardim.
Do nada, Pyro surgiu a seu lado. Estava com as roupas chamuscadas, mas como sempre, nada na pele.
— Ainda não entraram, certo? – ele perguntou.
— Não sei. Há muitos. O que houve? Por que voltou?
— Era uma armadilha, a coisa toda. Eles atacaram a escola, mas só para nos distrair, e nos separar. Um autômato mais forte me contou tudo. E depois explodiu. Assim, ele achou que ia me destruir com fogo. Mas temi desmoronamentos, e vim pra cá, afinal você estava sozinha. – ele mandou energia pura nos autômatos próximos.
— Lyra?
— Ainda está lá. – ele golpeou mais.
— Está se deslocando, indo pra algum lugar. Com duas pessoas, espere. – Lílian atirou, e olhou o primo. – Conheço os dois. Um é Tom. O outro é… pelos deuses. É aquele general que nos prendeu.
— Sério?
— Sim. Estão abaixo da terra, por isso os sinto muito bem. Vão para norte… nordeste, parece.
— O que há pra lá?
— Não sei, Pyro. Estou bem longe. – ela puxou a corda do arco.
— Desculpe te forçar.
— Amy? – ela perguntou.
— Tirei-a do porão, ela deveria ter-
O barulho de propulsão cortou qualquer coisa que Pyro ia dizer. Amy voou rasante, atirando projéteis a uma velocidade incrível.
— Suas namoradas são sempre legais, Pyro.
— Quais? Só tive ela, até onde lembro.
— E aquelas meninas de Westerncraft? Uma elfa uma vez…
— Elas não contam. Não me apaixonei por nenhuma delas. – Pyro pegou sua faca, e correu em direção a um dos autômatos maiores.
Lílian sabia que não era hora pra isso, mas sentiu um aperto no peito.
E voltou a atirar.


Theo trincou os dentes e atacou.
Esqueceu-se de tudo a seu redor. Nem as lentes trincadas dos óculos o atrapalhavam mais. Era só ele, as adagas duplas, as máquinas.
Um passo pra frente, um desvio, uma estocada com a mão direita, um giro, outra estocada. Com a adaga presa nos tubos, um impulso pro lado, rasgando de fora pra dentro. Um empurrão no autômato e ele caía. Arrastava a armação nariz acima e partia para a próxima. Era automático.
O fato de serem bonecos de metal ao invés de humanos tornava tudo mais fácil, claro.
Afinal eles não tinham alma, certo?
Certo?
A programação de Archie era parecida, mas os golpes diferiam. As mesas do laboratório improvisado atrapalhavam, e Theo derrubou uma delas nas criaturas.
Theo se esquecera de contar quantas eram. Duas, três, sete, dez, ele estava perdido. Uma delas lhe acertou o abdômen, e ele sentiu a dor explodir num espasmo, e um grito abafado. Quase largou as armas, quase…
E fez um esforço descomunal para cortar o punho que ainda torcia seu estômago. Livre dele, Theo pulou para um lado, e Archie o partiu ao meio.
Theo olhou todos os lados procurando mais. Só havia a sucata no chão.
— Vem. – Puxou Archie pela camisa, e saíram do quarto.
Só então Theo se lembrou de algo. Sim, alguma coisa estava faltando…
— Liv. Liv, Archie! – falar doía, berrar com o namorado dela então, era o inferno. Cada respiração era o inferno. Os socos de Lyra eram carinho perto daquilo.
— Estou aqui! – a voz veio de outro corredor, e os garotos foram até lá.
Chegaram lá e viram Lavender sacudir a espada que tinha na mão. Sacudir até que a aranha enorme saísse, batendo na parede.
A expressão dela era de valentia. Determinação, vontade de fazer algo e não ficar só olhando.
Liv não era tão indefesa quanto Theo pensava. Claro que não… era ela que enfrentava Tom no lugar dele, não era? Era ela que o ajudava a treinar uma ou duas poses de esgrima. Ela não era mais a menininha frágil que ele se lembrava. Sua irmã era mais forte… talvez mais que ele.
Era idiotice protegê-la tanto. E aliás, ela conhecia esgrima melhor.
— Eles estão entrando por todas as janelas… todas, vocês estão me entendendo? – a voz dela soou preocupada.
— Temos que tirar nossos pais daqui. – Theo olhou Archie.
— Pra onde os levamos?
— O porão. – Archie disse. – Há uma entrada pelo quarto de Amy, passamo-los por lá. Não há janelas lá embaixo, os dutos de ventilação são uma engenhoca estranha que inventamos, as aranhas não passam por eles.
— Mas beleza, nós arrombamos a porta de nossos pais com essas armas na mão e falamos pra eles virem atrás de nós e eles vão mesmo, assim de bom grado? – Theo teve que dizer. Nenhum deles estava exatamente apaziguado com os pais.
— Sim, é isso mesmo. Até bom, sabe? Se meu pai não quiser ir, eu o ameaço. – Archie soou rude e passou por Liv.
— E Cat? – ela correu para alcançá-lo.
— Ela não está em lugar nenhum, falamos isso com Chris…
Eles assentiram, e começaram a correr.


Chris passou correndo, chegando à varanda da casa – que havia se tornado um posto militar. Homens feridos, homens mortos. Outro dando ordens, e Lílian atirando sem parar.
Ela estava ali há um bom tempo. Os músculos não doíam?
— Lílian! – Cat gritou, e a maga não se virou.
— O que estão fazendo aqui? – mais um tiro.
— Achamos o cilindro verdadeiro, está… – explosão. – Nossa. Voando é muito melhor que em terra. – Cat olhou o céu escuro, onde Amy estava com seu Birdy, evitando autômatos voadores e projéteis de todo tipo. Às vezes atirava, talvez não tinha tempo para mirar.
— Sim, está ajudando bem…
— Onde precisam de atiradores? – Cat catou a arma de um morto e conferiu a carga.
— Não, Cat. Vocês tem que proteger o cilin-
— Fique quietinha bem aqui moça. Eu vou lá pra trás, porque eles estão entrando pelas janelas. Chris!
Ele se aproximou.
— Sabe atirar?
— Não.
— Quando der o recuo, tente não acertar a própria testa. – ela jogou uma arma pra ele, que a fitou, aturdido.
— Mas… eu não…
— Dane-se, venha!
— Ela se parece com Lyra. – Lílian comentou.
— Notei isso… – Chris suspirou, e pulou a pequena grade da varanda, perguntando-se como Cat fizera aquilo de saia, sapatos e um jaleco branco.
Atravessaram a casa, Cat disparando contra as aranhas, Chris atrás dela. Nunca deu um tiro na vida, aliás, nem nunca tocou uma arma na vida, como Cat jogava uma coisa daquela na sua mão e o mandava atirar assim, do nada?
Pelo menos tinha aquela adaga, faca, algo assim. Outra coisa que ele não sabia manusear, mas que pelo menos não dava recuo.
Os homens com quem bebia junto e contavam história de caça chamavam aquilo de coice. E não era à toa, Chris sabia bem.
Ele chegou à parte de trás da casa, e viu fogo. A grama queimava, e a luz laranja acentuava o cabelo de Cat. Logo o motivo das chamas apareceu.
Pyro atacava de toda forma possível. Fogo, espada, punhos. Dançava contra as formas humanoides crescidas, as aranhas que tinham aumentando de tamanho.
Cat se abaixou e passou a atirar. A mira dela era muito boa, Chris reparou. Ele deu as costas pra ela e com a espada curta, acertava um ou outro daqueles insetos.
Cat parou de atirar quando o pente de balas esvaziou. Como Chris não estava usando a arma dele, ela se virou para pegá-la.
Devia ter pedido para que ele pegasse.
Sinceramente, devia.
Quando se voltou para frente, havia um autômato humanoide, enorme. Cat atirou, mas as balas ricochetearam. Olhou Pyro, mas ele estava ocupado.
— Vocêsss – ele sibilou. A voz era diferente daquele que Chris derrubou na sala lá em cima. Ele era todo diferente, os músculos de metal, o tamanho, o jeito de andar.
Tudo gritava perigo.
Só que Cat não tinha para onde correr. Nem Chris atrás dela. No final, aquela menina do cabelo branco tinha razão.
— Vocêss tem a cápsula… meu pai tem a cápsula…
Ah, sim. Eles realmente tinham.
Cat nunca mais contestaria princesas de dezessete anos.
Nunca mais.






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Um comentário:

  1. Wow, que desenho lindo! Eu estou feliz com a atual pancadaria do Orbe u.u Gostei muito desse capitulo tia
    Ass: Paula Q

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